sábado, 24 de novembro de 2012

RECUSA DE ENGODOS E ATAQUE AO ALICIADOR


Entende-se por “recusa de engodos” o condicionamento que permite ao cão não aceitar comida da mão de estranhos ou comer aquela que é jogada no chão (intencionalmente ou não), assim como outra distribuída por alguém que não o dono, na presença deste ou não. Como este condicionamento aponta para a sobrevivência dos cães (ao evitar o seu envenenamento), convém que todos eles, independentemente da sua raça, tamanho, sexo ou serviço, sejam aprovados insofismavelmente na recusa de engodos para se constituirem em companheiros impolutos e incorruptíveis, já que doutro modo jamais o serão, a menos que os guardemos numa redoma de vidro ou os conservemos para sempre atrelados a nós e debaixo de olho. Todos os anos morrem cães envenenados.
O treino da recusa de engodos é um trabalho gradual que evolui das medidas preventivas para o condicionamento objectivo, que não dispensa tanto o trabalho doméstico como o seu complemento escolar. As medidas ou protocolos mais comuns são: o comer e beber em pratos reguláveis de acordo com a altura de cada cão (logo após a entrada do cachorro em nossa casa, 5cm abaixo da altura encontrada à cernelha ou garrote); manter a mesma ração ou penso diário (para que não se acostume a comer de tudo); exclusividade do dono na distribuição da comida (para que o animal desconfie do aliciamento); proibição de dar comida ao cão com os donos á mesa, restos de comida ou petiscos suplementares (para que não se torne guloso); evitar nos passeios exteriores os locais passíveis de ter comida (para não tentar o cachorro, já que é um animal de hábitos); comer sempre no mesmo local (para que não se acostume a comer por todo o lado); consentir que outros lhe deem de comer (para que não se habitue a comer da mão de estranhos); regrar o convívio com estranhos (para que não se sinta à vontade para pedir comida); não aceitar biscoitos com o odor de outras pessoas ou animais (para que resista à pedinchice); aguardar comando para comer (para que só coma debaixo de ordem); a interrupção da refeição (para que não se torne sôfrego); bater em minúcia os territórios onde o irá soltar (para que não acostume a procurar comida); não consentir que coma conjuntamente com outros cães do mesmo prato (para evitar a sofreguidão); estabelecer o dia de jejum semanal (só para cães adultos e para o aumento da resistência); Tudo isto é trabalho doméstico que muito beneficiará e facilitará o vindouro trabalho escolar. Convém ainda relembrar que o dono da comida é o patrão do cão (foi assim que transformámos o lobo silvestre em familiar), e que com a vida dos cães não se brinca.
O cumprimento das medidas preventivas que atrás discrimámos poderá dispensar algumas das tarefas escolares que adiantaremos e poderá tornar mais célere o processo pedagógico que garante a recusa de engodos. È evidente que ensiná-la a um cão portador de fraco impulso ao alimento é tarefa fácil, pode até correr-se o risco de o tornar ainda mais biqueiro, o que ninguém aproveitaria. Animais com estas caracterísiticas deverão quedar-se pelas medidas preventivas e nem todas lhe deverão ser aplicadas considerando o seu particular. Os cães que felizmente foram ensinados pela recorrência ao biscoito, depois da instalação objectiva dos comandos, deverão ser objecto da recusa de engodos atendendo à sua sobrevivência. A recusa de engodos pode implicar na morte do cão após o desaparecimento do dono, facto já acontecido e que não deseja ver repetido. Para que isso não suceda e o animal venha a ser vítima de um penoso processo de reeducação, válido ou não, convém que o cão beba em bebdouro automático e coma em doseador de ração. Neste último caso é imperativo que a ração não fique com o odor de quem a abastece. Os cães urbanos, depois de aprovados na recusa de engodos, deverão ficar condicionados a ser alimentados por uma segunda pessoa.
 
Os exercícios escolares que oferecem a recusa de engodos, geralmente levados a cabo no exterior (passeios e parques públicos), e posteriormente nas moradias e quintas onde os cães se encontram instalados, acontecem primeiro na presença dos donos e depois na sua ausência visando a capacitação pretendida. Independentemente do local dos trabalhos, proceder-se-á à prévia  instalação do comando de “perigo” que alertará e melhor prepará o animal para o sucesso nas acções.
 
Pergunta-se. Quando é que devemos levar a cabo a recusa de engodos num cão? A resposta não é simples porque irá depender das características individuais de cada cão e daquilo que dele se espera (atribuições). Normalmente deixamos para o final do adestramento esta capacitação e esperamos pela maturidade emocional dos animais, quando já se encontram robustos e “aguentam” a inibição que possibilita o controle de instintos e o desenvolvimento do seus  impulsos herdados. Aos cães mais frágeis de carácter, visando o seu bem-estar e autonomia, quedamo-nos somente pelas medidas preventivas e isentamo-los dos exercícios mais duros, porque isso lhes bastará, pois não queremos que nenhum susto se venha a constituir num trauma irreversível.
Voltando aos exercícios escolares, começam sempre pelo reforço da autoridade do dono (liderança), com um biscoito colocado por ele sobre uma das patas dianteiras do cão, que aguarda ordem para o comer permanecendo imóvel. Por vezes, usamos um em cada pata e guardamos o intervalo julgado conveniente entre a ordem para comer o primeiro e o segundo. Depois pediremos a um auxiliar que proceda do mesmo modo e coloque o biscoito ou biscoitos sobre as mãos do animal, convidando-o para comer, o que não deverá acontecer por força do comando de “perigo”. Sucerá a comida entregue à mão e a jogada no chão (biscoitos, ração, leite, carne, frango, enchidos, salsichas, queijos e toda a casta de iguarias do agrado do cão) que não as deverá comer, tanto com o dono presente como ausente. Este trabalho obrigará a várias sessões e será objecto de repetição ou recapitulação ao longo da vida do cão. Só depois da aprovação nestes exercícios o cão será testado em casa, quando em serviço de vigilança e num período mais ou menos longo. O que se deseja e que sempre acaba por se conseguir, é o desprezo por toda a comida não administrada pelo dono, independentemente dos convites e dos locais onde se encontre.
A existência de cães particularmente gulosos, uns pelo forte impulso ao alimento e outros por razões ambientais, pode obrigar ao uso de ratoeiras e de armadilhas (mecânicas ou eléctricas) para a obtensão da recusa de engodos, o que felizmente é raríssimo. Nestes casos excepcionais, a desobediência só acontece nos exercícios em que o dono se encontra ausente, quando o cão se encontra só e em percursos mais ou menos longos, distantes do policiamento do dono e da sua correcção. Diante destas dificuldades, não nos resta outro remédio do que armadilhar determinado perímetro com armadilhas de pardal, evoluindo, se for caso disso, para as ratoeiras (simples ou americanas), e destas para os dispositivos eléctricos com reguladores de potência. No nosso historial apenas dois cães não dispensaram o recurso aos dispositivos eléctricos, sendo os dois machos: um Perdigueiro Português e os um Rottweiler.
 
A necessidade da pronta intervenção do cão de guarda para escorraçar os intrusos obriga-nos ao ataque às mãos dos aliciadores. No treino esse papel cabe aos colaboradores escolhidos para esse efeito, que normalmente, para além da indução, simulam moderadas agressões sobre os cães, surgindo o contra-ataque dos animais como prémio ou resposta ao castigo, o que é deveras importante para o equilíbrio  dos guardiões, apresentando-se o ataque ao aliciador como recompensa para o cumprimento dos animais. Os colaboradores escolhidos para este trabalho deverão ir munidos de protecções ocultas e luvas de aço para sua protecção.
Como a recusa de engodos é um trabalho oficinal e digno de vários workshops, porque cada cão é um caso e exige diferentes reparos na sua instalação, omitimos propositadamente grande números dos exercícios escolares que desenvolvemos em classe. Já no que concerne às medidas preventivas procedemos doutro modo, enumerando-as quase todas para  salvaguarda dos cães e chamar à atenção para a necessidade urgente da recusa de engodos, pois se tirarmos os comandos de sobrevivência animal do adestramento o que sobrará? Provavelmente circo e alguns momentos descontraídos!  

Sem comentários:

Enviar um comentário