Num dia remoto que a história não reza, porque os homens ainda não tinham inventado a escrita, quando começaram a abandonar as cavernas, a dedicar-se à agricultura e à criação de gado, um caçador experimentado e curioso começou a observar detalhadamente os lobos, desejando ter algum ou alguns como companheiros e auxiliares, como parceiros na caça, guardas de rebanhos e protectores da sua casa e bens. Dominado por essas ambições e pensando nas vantagens que traziam, apesar da tarefa não lhe parecer fácil, aguçou o engenho e pôs o plano em marcha. Depois de muito matutar, considerando os perigos que corria, abandonou a ideia de caçar um adulto e optou pelo rapto de alguns filhotes.Ele sabia ser impossível alcançá-los enquanto mamassem, porque nesse período a mães nunca os abandonavam ou deixavam sozinhos, raramente saíam e quando o faziam nunca era para muito longe da sua toca. Pegá-los nesse idade obrigaria ao confronto com a matriarca, uma peleja a evitar e de desfecho imprevisível. É evidente que com a ajuda de outros homens tudo seria mais fácil, mas tal não agradou ao caçador porque queria somente os louros para si e desejava levar vantagem sobre os outros. Silencioso e à distância, tendo especial cuidado com a direcção do vento, não fosse ele denunciá-lo e fazer gorar os seus intentos, diariamente se predispôs a observar uma ninhada de lobinhos e quando eles já saíam da toca e a sua mãe já caçava amiúde para eles, longe da vista da progenitora, deitou a mão a todos quantos pôde e levou-os consigo.
Apesar dos lobinhos já comerem, ele sabia que não os podia soltar nem consentir na aproximação dos pais, porque se tornariam iguais a eles e daí não resultaria qualquer préstimo, já que retornariam ao seu viver natural. Durante o dia trazia-os amarrados e à noite encarcerava-os, sempre rodeados pelo fogo e minimamente iluminados, não fossem os seus pais tentar resgatá-los. A quebra da autonomia mostrou-se eficaz, produziu dependência e os filhotes acabaram por sujeitar-se, porque o patrão da comida é o dono do bicho. Com o passar do tempo os lobinhos cresceram e mostraram a sua utilidade, reproduziram-se em cativeiro e foram seleccionados pela sua cumplicidade, tornando-se assim objecto de cobiça e motivo de algumas escaramuças. Ninhada após ninhada assistiu-se ao nascimento do cão, aquele que hoje designamos por lobo familiar.
Daí em diante outros homens seguiram o exemplo daquele caçador, muitas vezes por meios menos escrupulosos, sedentos da mesma parceria e vantagens. O lobo doméstico generalizou-se, foi sujeito a distintas selecções e proliferou por todos os continentes até ao presente dia, sendo pau para toda a obra por causa da dependência. Recentemente, considerando o tempo decorrido até aqui, adquiriu distintas formas, cores e aptidões, abraçou um sem número de serviços e alcançou o título de animal de companhia, num trajecto heróico carregado de vítimas incontáveis por força da parceria. O rapto virou mais-valia e o cão afastou-se irremediavelmente do lobo, sem caminho de regresso e condenado a viver entre nós.
Como nem todas as histórias têm um final feliz e quando o têm, nem sempre são verdadeiras, esta também não o tem, porque a proliferação dos cães acabou por votá-los ao abandono e sentenciá-los à morte, torná-los num carrego e em algo desprezível. Diz-se de quem nasce torto que tarde ou nunca se endireita, o que aqui faz todo o sentido, em abono da verdade e em função do ocorrido. Cabe a cada um de nós alterar o final desta história e podemos fazê-lo não só pela adopção, mas também pela ajuda, esclarecimento e denúncia. Os cães não entendem as nossas desculpas, motivos, projectos ou ambições, seguem-nos somente, reclamando a ancestral paternidade que assumimos no dia em que iniciámos o seu rapto. O cão ainda tem muito para dar, nós é que nem sempre sabemos o que fazer com ele.
Apesar dos lobinhos já comerem, ele sabia que não os podia soltar nem consentir na aproximação dos pais, porque se tornariam iguais a eles e daí não resultaria qualquer préstimo, já que retornariam ao seu viver natural. Durante o dia trazia-os amarrados e à noite encarcerava-os, sempre rodeados pelo fogo e minimamente iluminados, não fossem os seus pais tentar resgatá-los. A quebra da autonomia mostrou-se eficaz, produziu dependência e os filhotes acabaram por sujeitar-se, porque o patrão da comida é o dono do bicho. Com o passar do tempo os lobinhos cresceram e mostraram a sua utilidade, reproduziram-se em cativeiro e foram seleccionados pela sua cumplicidade, tornando-se assim objecto de cobiça e motivo de algumas escaramuças. Ninhada após ninhada assistiu-se ao nascimento do cão, aquele que hoje designamos por lobo familiar.
Daí em diante outros homens seguiram o exemplo daquele caçador, muitas vezes por meios menos escrupulosos, sedentos da mesma parceria e vantagens. O lobo doméstico generalizou-se, foi sujeito a distintas selecções e proliferou por todos os continentes até ao presente dia, sendo pau para toda a obra por causa da dependência. Recentemente, considerando o tempo decorrido até aqui, adquiriu distintas formas, cores e aptidões, abraçou um sem número de serviços e alcançou o título de animal de companhia, num trajecto heróico carregado de vítimas incontáveis por força da parceria. O rapto virou mais-valia e o cão afastou-se irremediavelmente do lobo, sem caminho de regresso e condenado a viver entre nós.
Como nem todas as histórias têm um final feliz e quando o têm, nem sempre são verdadeiras, esta também não o tem, porque a proliferação dos cães acabou por votá-los ao abandono e sentenciá-los à morte, torná-los num carrego e em algo desprezível. Diz-se de quem nasce torto que tarde ou nunca se endireita, o que aqui faz todo o sentido, em abono da verdade e em função do ocorrido. Cabe a cada um de nós alterar o final desta história e podemos fazê-lo não só pela adopção, mas também pela ajuda, esclarecimento e denúncia. Os cães não entendem as nossas desculpas, motivos, projectos ou ambições, seguem-nos somente, reclamando a ancestral paternidade que assumimos no dia em que iniciámos o seu rapto. O cão ainda tem muito para dar, nós é que nem sempre sabemos o que fazer com ele.
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