Chama-se
código ao conjunto de comandos que garantem a comunicação entre homens e cães,
em diferentes linguagens e por diversos meios, para acções instantâneas ou
previamente garantidas pelo condicionamento, visando o uso destes animais para tarefas
isoladas ou complementares (lúdicas, desportivas, comunitárias, terapêuticas,
de segurança, salvamento, resgate, policiais, militares, etc.). Como o próprio
nome indica, o código não deverá ser do conhecimento geral, a menos que o cão
ou cães tenham sido adestrados para o bem de todos, aceitar diversos condutores
ou para valer a um grupo particular de pessoas. Doutro modo, o seu domínio
torna-se abusivo e poderá comprometer a salvaguarda, o controlo e o uso dos
animais, pelo estabelecimento de vínculos estranhos à unidade binomial,
provocando atrasos ou recuos no cumprimento das ordens, pela desatenção que induz
à resistência e ao desprezo pela liderança. Caso cada um de nós fosse eterno, diante
da melhor prestação canina, justificar-se-ia a entrega do código unicamente ao
dono ou tratador, mas como não o somos, é de todo conveniente que uma segunda
pessoa o conheça e use se necessário, preferencialmente alguém do agrado do
cão, próxima do dono e com maior esperança de vida, para que o desaparecimento
do líder não implique na morte ou eliminação do animal, como já aconteceu.
O ensino
do código começa logo após a entrada do cachorro na nossa casa, uma
aprendizagem comum que não dispensa a mútua observação, fornecida pela
coabitação e pelos vínculos afectivos que pouco a pouco se vão estabelecendo
entre o dono e o seu cão, responsáveis pela cumplicidade que irá possibilitar o
trabalho acessório do animal, baseado em tarefas simples e do seu agrado, pela
aceitação e mestria da paternidade pedagógica, que desprovida de despotismo,
aproveita a dependência e faz uso da máquina sensorial do infante.
O
primeiro comando de obediência a instalar num cachorro é a atribuição do seu
nome. A partir dele se estabelecerá a comunicação e sobre ele assentarão os
preceitos, normas e acções vindouras, funcionando como um verdadeiro código
“PIN” para a sua activação. Diante de tamanha importância, urge perguntar: quem
deverá conhecer o seu nome? Certamente não serão aqueles que raptam cães para
depois angariarem alguns proventos, intentando ainda assaltar os seus donos, tampouco
os que congeminam maltratá-los ou eliminá-los, valendo-se do suborno para os
seus intentos. Por precaução, o cão na rua deve ser um “no name” e perante
grave insistência, adquirir outro que não lhe diga respeito. O uso do nome do
cão encontra-se restrito aos donos. Não obstante, é curioso reparar no número
de cães com o seu nome gravado nas coleiras, provavelmente propriedade de gente
confiada, que desconsidera o perigo pela inocência que não antevê a maldade.
Melhor seria que lá colocassem o número de contacto dos donos e nada mais.
O código constrói-se gradual e pacientemente no lar
e depois no treino, a partir dos vínculos afectivos que geram a experiência
feliz e que não dispensam a recompensa, mediante o aproveitamento da
coabitação, pelo desenvolvimento do impulso ao conhecimento e pela solicitação
dos sentidos caninos. Tudo passa pela atribuição de nomes às acções,
utensílios, brincadeiras, rotinas, regras e desafios que o cachorro vai
conhecendo e que fazem parte do nosso mundo, usando-se em primeira mão a sua
memória afectiva para alcançar a mecânica e facilitar a associativa, muito
embora subsistam cachorros que só lá chegarão pela maior mecanicidade das
acções (repetição).
Por razões ligadas à sobrevivência binomial, à sua
operacionalidade e também para se evitar o uso indevido do cão, convém que o
código aconteça em diferentes linguagens e que seja para os alheios pouco ou
nada perceptível, independentemente da natureza dos comandos. Cada comando
verbal deverá ter um equivalente mímico ou sonoro que despolete a mesma acção,
operados pela pessoa do seu dono, directamente ou indirectamente, por meios
mais sofisticados que garantam a pronta resposta animal à distância, quer o
líder (emissor) se encontre presente ou não.
Visando a exclusividade do uso canino, a validade e
a supremacia do código, todos os comandos deverão, depois de instalados e
assimilados pelo cão, ser aprovados na contra-ordem. A contra-ordem consiste na
emissão dos comandos por terceiros, que conhecedores do código, intentam
accioná-lo para proveito próprio, tudo fazendo para que o animal lhes obedeça,
primeiro na presença do dono e depois na sua ausência. Esta manobra carece de
bom senso tendo em conta o seu objectivo e só deverá ser efectuada na certeza do
animal se ensurdecer para os outros, já que não é um teste mas uma
certificação, pelo que deve acontecer gradualmente para não gerar confusão no
animal.
Um código
é tanto ou mais rico quanto o número de comandos que comportar. Em média,
somando a prestação dos seis grupos morfológicos caninos, os códigos albergam
entre 27 e 35 comandos, muito embora
alguns indivíduos de certas raças possam ultrapassar uma centena e outros se
quedem apenas entre os 15 e os 18. Como testámos vários indivíduos de todas as
raças portuguesas, exceptuando o Cão de Gado Transmontano, o Cão da Serra de
Aires foi o que mais se notabilizou, fornecendo indivíduos capazes de absorver
mais 80 comandos em diferentes linguagens, sendo nisto seguido pelo Cão de Fila
de S. Miguel, a despeito de faltar firmeza ao primeiro e algum equilíbrio ao
segundo diante do exercício da contra-ordem, porque o primeiro tende para a
letargia e o segundo para o ataque. Das raças estrangeiras testadas, e só
testámos as mais comuns entre nós, a que mais se evidenciou foi o Border
Collie, seguido muito à distância pelo Cão de Pastor Alemão. Se tomarmos em
consideração o valor médio dos códigos a instalar nos cães (de 27 a 35 comandos), 20% deles deverão
reportar-se à sua salvaguarda, porque doutro modo estaríamos a valorizar o uso
em detrimento da sobrevivência dos animais.
O aumento
dos comandos a inserir num código irá depender do impulso ao conhecimento de
cada indivíduo canino, do aproveitamento dos seus ciclos infantis e da sua
plasticidade, do tipo de instalação doméstica de que foi alvo, da diversidade
das suas experiências, da cumplicidade havida e da riqueza do treino, o que
justifica o início da instalação do código logo após os 2 meses de idade nos
cachorros. A escolha dos comandos a instalar deverá considerar a vocação de
cada cão para o fim a que se destina e a instalação de cada um deles só deverá
acontecer depois da peremptória instalação daquele que o antecedeu. O código, a
seu tempo, à imitação da obediência que se deseja inquestionável mesmo nas
circunstâncias mais extraordinárias, deve ser usado nas situações menos
vantajosas e onde a comunicação é mais difícil, o que muito irá contribuir para
o desenvolvimento da máquina sensorial dos cães e para a acuidade técnica dos
seus líderes. Todo e qualquer código instalado num cão necessita de
reavivamento e treino, particularmente os comandos menos utilizados e os
ligados à salvaguarda dos animais. Por outro lado, tanto a sua reciclagem
quanto a sua actualização, podem tornar-se indispensáveis perante a novidade de
tarefas, perigos e desafios.
Para que um
código mais depressa se instale, não se veja encurtado e surta efeito, torna-se
imprescindível que os donos usem a mesma ordem para determinado exercício ou
figura e não comandos diferentes para a mesma acção, para que o erro não usurpe
o lugar dos acertos e o vício o dos comandos, já que o primeiro dos entraves
prá instalação dum código resulta da confusão de quem emite as ordens e
compromete as respostas. Atribuir diferentes signos para a mesma ordem é
diminuir o seu número no código, tornando-o mais pobre e menos abrangente,
criar barreiras à comunicação e perplexidade nos animais.
Falar de
códigos é falar também de descodificação, processo ligado à reeducação que
procura a transformação, alteração, substituição ou eliminação de códigos
indesejáveis, trabalho árduo, demorado e de difícil sucesso, quando se
transformaram em modo de vida, foram tirados a partir dos instintos, restritos
à pessoa dos donos e enraizados pelo peso dos anos. Sempre será mais fácil
transformá-los do que eliminá-los, tendo em conta a sobrevivência dos animais seus
portadores, uma vez que o ensurdecimento de alguns pode induzi-los à morte. Primeiro
há que destrinçar o que é natural do que é produto ambiental e depois, a partir
do peso genético, libertar os cães do condicionamento anterior, dando-lhe outro
final pela troca de alvos. Nos casos mais graves e entre cães mais rijos, a
descodificação não dispensará a alteração do viver social, a novidade das
rotinas e a troca de alojamento destes indivíduos, confusão que normalmente os
torna dependentes e por demais vulneráveis. Este processo não se encontra
isento de confrontações e sempre acarreta algum risco para o reeducador e
outros agentes de ensino, pelo que deve ser entregue a um adestrador
experimentado, paciente e precavido, hábil na instalação de códigos para que
não venha a ser iludido pelas pequenas vitórias de fácil retrocesso.
O adestramento outra coisa não é que um processo de
codificação, porque ensina uma nova linguagem para o entendimento recíproco
entre homens e cães. A erudição dos códigos sempre estará ligada à dos seus
criadores, emissores e executantes. Os homens apossam-se dos cães pelo
contributo dos códigos e os cães absorvê-los-ão como modo de vida, honrando-os mais
do que a maioria dos homens, porque vieram para servir e nisso buscam
aprovação.
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