sábado, 7 de junho de 2014

LEVAR PARA CASA UM CÃO E SAIR DE LÁ COM UM LOBO

Fomos incomodar o lobo, demos caça ao chacal e fizemos o cão, para termos um sempre à mão e usarmos quando preciso. Passados estes milhares de anos, o lobo familiar ainda conserva comportamentos e características que o ligam aos seus ancestrais, uns utilizáveis e outros desprezíveis à luz da parceria reclamada desde a pré-história, mantendo incólumes alguns apelos naturais a despeito de ser pobre em instintos, fenómeno que a selecção artificial ainda não conseguiu abolir. A maior parte dos dramas caninos actuais passa pela ausência de um relacionamento mais próximo com os seus donos e pela desconsideração do seu viver social, porque a vida é feita a correr e ninguém tempo, também porque cada vez mais somos criados e crescemos longe dos animais, o que não raramente tem levado à incompreensão do seu comportamento e ao desrespeito pelo seu particular. Graças a isso, à inexperiência que gera a ignorância e que provém da ausência do contacto directo, têm-se erigido “encantadores” de toda a espécie e tomado como absolutas verdades que nunca o foram.
Imagine-se um cão que raramente sai do seu reduto enquanto cresce e cujo dono passa a maior parte do tempo longe dele. Situações como esta induzem ao despreparo e desaproveitamento dos cães, levando-os a comportamentos “inesperados”, tipicamente silvestres e instintivos, pelo isolamento forçado, quadro experimental precário, escassez de território e ausência de acompanhamento diário, condições que obstarão ao seu equilíbrio, à sua sociabilização e à supremacia e norteamento da liderança, assim como ao aumento da sua autonomia, o que normalmente os leva a defender precocemente o território onde se encontram enclausurados e a tremer diante de tudo e todos quando fora dele, mesmo com o dono ao lado, factos também emprestados pela insuficiência e estranheza da liderança.
Um cão lupino relegado para estas condições ambientais, tanto poderá vir a morder por medo como a esconder-se, contra ordem e por si próprio, já que está acostumado a resolver as coisas assim. Agora se o animal, por mal fadado destino, for um híbrido de lobo ou duma raça dele advinda directamente, o panorama agrava-se e o híbrido poderá perder todo o seu préstimo, porque o retorno ao atavismo fá-lo-á resistir à parceria, desprezar o seu dono ou desconfiar da liderança. E esta tem sido a sina de muito Lobo Checo entrado em território nacional, propriedade de gente distante e indisponível, mais ligada ao mito do que ao trabalho sistemático e oficinal. Se a adequação de um cão comum é forjada pelo acompanhamento diário e obriga a um sem número de cuidados, a capacitação de um cão-lobo irá exigir muito mais, para que o silvestre não predomine e sufoque de vez o lobo familiar. Quanto mais lobo, mais trabalho!
Para se aproveitar o melhor que um cão-lobo tem para dar, a primeira condição passa por evitar que se isole, levando-o à parceria e à autonomia condicionada, porque doutro modo poderá desprezar tarefas e confundir alvos, abominar o trabalho e ensurdecer-se para as ordens. A experiência tem-nos dito que estes cuidados são melhor sucedidos quando acontecem antes da maturidade sexual dos animais e se prolongam para além da emocional, que como é sabido acontecem nos híbridos mais tarde do que nos cães, o que é uma boa notícia, já que nos aumenta o tempo para o seu reparo e adequação. A sociabilização dos híbridos é tarefa obrigatória, uma vez que têm o instinto predador mais desenvolvido e teimam em achar pistas e a caçar, podendo com isso arranjar inimizades gratuitas e conflitos dispensáveis. Como a sua capacidade de adaptação é menor e são mais sensíveis aos fenómenos naturais, a sua prestação em diferentes ecossistemas torna-se indispensável. É também indispensável, tendo em vista a parceria, que se acostumem e familiarizem com aos espaços urbanos e sejam alertados para os perigos que eles oferecem.
O que adiantámos para os híbridos é também válido para todos os cães, seres sociais que tendem a interpretar o isolamento como ostracismo. A diferença entre eles residirá acima de tudo no comportamento, ainda que ambos enfraqueçam pela clausura e o medo tome conta deles, os primeiros tenderão a assilvestrar-se e os outros tornar-se-ão mais carentes, podendo ambos tornar-se agressivos e anti-sociais. Não se aconselha a quem é inexperiente na cinotecnia a aquisição de um cão-lobo, considerando o bem-estar do animal, o seu aproveitamento e a integridade das pessoas ao seu redor. Não foi por acaso que nos EUA a legislação relativa aos cães-lobos mereceu especial cuidado, estipulando inclusive qual o percentual máximo de sangue lobo nos seus híbridos. E como o diabo as tece e o cuidado não alcança todos, desrespeitando o que acima dissemos, é possível levar para casa um cão e sair de lá com um lobo à mão (ou à perna)!

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