Fomos
incomodar o lobo, demos caça ao chacal e fizemos o cão, para termos um sempre à
mão e usarmos quando preciso. Passados estes milhares de anos, o lobo familiar
ainda conserva comportamentos e características que o ligam aos seus
ancestrais, uns utilizáveis e outros desprezíveis à luz da parceria reclamada
desde a pré-história, mantendo incólumes alguns apelos naturais a despeito de
ser pobre em instintos, fenómeno que a selecção artificial ainda não conseguiu abolir.
A maior parte dos dramas caninos actuais passa pela ausência de um
relacionamento mais próximo com os seus donos e pela desconsideração do seu
viver social, porque a vida é feita a correr e ninguém tempo, também porque cada
vez mais somos criados e crescemos longe dos animais, o que não raramente tem
levado à incompreensão do seu comportamento e ao desrespeito pelo seu
particular. Graças a isso, à inexperiência que gera a ignorância e que provém
da ausência do contacto directo, têm-se erigido “encantadores” de toda a
espécie e tomado como absolutas verdades que nunca o foram.
Imagine-se
um cão que raramente sai do seu reduto enquanto cresce e cujo dono passa a maior
parte do tempo longe dele. Situações como esta induzem ao despreparo e
desaproveitamento dos cães, levando-os a comportamentos “inesperados”,
tipicamente silvestres e instintivos, pelo isolamento forçado, quadro
experimental precário, escassez de território e ausência de acompanhamento
diário, condições que obstarão ao seu equilíbrio, à sua sociabilização e à
supremacia e norteamento da liderança, assim como ao aumento da sua autonomia,
o que normalmente os leva a defender precocemente o território onde se
encontram enclausurados e a tremer diante de tudo e todos quando fora dele,
mesmo com o dono ao lado, factos também emprestados pela insuficiência e
estranheza da liderança.
Um cão
lupino relegado para estas condições ambientais, tanto poderá vir a morder por
medo como a esconder-se, contra ordem e por si próprio, já que está acostumado
a resolver as coisas assim. Agora se o animal, por mal fadado destino, for um
híbrido de lobo ou duma raça dele advinda directamente, o panorama agrava-se e
o híbrido poderá perder todo o seu préstimo, porque o retorno ao atavismo
fá-lo-á resistir à parceria, desprezar o seu dono ou desconfiar da liderança. E
esta tem sido a sina de muito Lobo Checo entrado em território nacional,
propriedade de gente distante e indisponível, mais ligada ao mito do que ao
trabalho sistemático e oficinal. Se a adequação de um cão comum é forjada pelo
acompanhamento diário e obriga a um sem número de cuidados, a capacitação de um
cão-lobo irá exigir muito mais, para que o silvestre não predomine e sufoque de
vez o lobo familiar. Quanto mais lobo, mais trabalho!
Para se
aproveitar o melhor que um cão-lobo tem para dar, a primeira condição passa por
evitar que se isole, levando-o à parceria e à autonomia condicionada, porque
doutro modo poderá desprezar tarefas e confundir alvos, abominar o trabalho e
ensurdecer-se para as ordens. A experiência tem-nos dito que estes cuidados são
melhor sucedidos quando acontecem antes da maturidade sexual dos animais e se
prolongam para além da emocional, que como é sabido acontecem nos híbridos mais
tarde do que nos cães, o que é uma boa notícia, já que nos aumenta o tempo para
o seu reparo e adequação. A sociabilização dos híbridos é tarefa obrigatória,
uma vez que têm o instinto predador mais desenvolvido e teimam em achar pistas
e a caçar, podendo com isso arranjar inimizades gratuitas e conflitos
dispensáveis. Como a sua capacidade de adaptação é menor e são mais sensíveis
aos fenómenos naturais, a sua prestação em diferentes ecossistemas torna-se
indispensável. É também indispensável, tendo em vista a parceria, que se
acostumem e familiarizem com aos espaços urbanos e sejam alertados para os
perigos que eles oferecem.
O que
adiantámos para os híbridos é também válido para todos os cães, seres sociais
que tendem a interpretar o isolamento como ostracismo. A diferença entre eles
residirá acima de tudo no comportamento, ainda que ambos enfraqueçam pela
clausura e o medo tome conta deles, os primeiros tenderão a assilvestrar-se e
os outros tornar-se-ão mais carentes, podendo ambos tornar-se agressivos e
anti-sociais. Não se aconselha a quem é inexperiente na cinotecnia a aquisição
de um cão-lobo, considerando o bem-estar do animal, o seu aproveitamento e a
integridade das pessoas ao seu redor. Não foi por acaso que nos EUA a
legislação relativa aos cães-lobos mereceu especial cuidado, estipulando
inclusive qual o percentual máximo de sangue lobo nos seus híbridos. E como o
diabo as tece e o cuidado não alcança todos, desrespeitando o que acima
dissemos, é possível levar para casa um cão e sair de lá com um lobo à mão (ou
à perna)!
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