sábado, 14 de junho de 2014

DOMINGO NÓS IMOS!

Apesar de Portugal já ser um país independente há oitocentos e setenta anos, se tomarmos como referência o Tratado de Zamora lavrado em 05 de Outubro de 1143 e não a proclamação de D. Afonso Henriques ocorrida em 1128, após a vitória na Batalha de São Mamede ou o reconhecimento papal que viria a acontecer somente em 1179, os vínculos entre os galegos de Portugal e os portugueses de Espanha ainda não se quebraram, como se a Gallaecia Romana permanecesse incólume e nunca houvesse sido dividida, como veio a acontecer. Os Minhotos, primeiro celtas do que suevos, herança que nos liga aos países europeus com a mesma origem, ainda mesclam o português com o galego nas suas conversas, facto visível na gramática utilizada, mormente na conjugação dos verbos, conservando arcaísmos que abraçam também os substantivos. Assim é natural ouvirmos-lhes “imos de férias” ao invés de “vamos de férias”, exactamente como conjugaria qualquer galego o verbo ir na 1ª pessoa do plural no presente indicativo. No seio dum grupo de galegos se idealizou Portugal e do Minho eclodiu a nossa nacionalidade, apesar dos trajes tradicionais e cantares minhotos parecerem estranhos à maioria dos portugueses contemporâneos, menos conhecedores da nossa história e também provenientes doutras origens.
Temos nas nossas fileiras uma minhota vinda de Moreira do Lima (Ponte de Lima): a Lídia, uma jovem mãe de um casal de crianças que é também condutora de um cachorro Pastor Alemão (Rex). Mal aqui chegou, surpreendeu tudo e todos pelo seu afinco ao trabalho, espírito de liderança, disponibilidade, vontade de aprender, pragmatismo e índice de progresso, funcionando inúmeras vezes como fila-guia das classes, apesar de ser das alunas mais recentes. No último Domingo, ataviada de tudo o que precisava para suprir as necessidades do seu garoto, que a acompanhou, agarrou no Rex e pôs-se à estrada, rumo a uma pista táctica que há muito desejava conhecer. Trabalhou ali com o Rex e levaram de vencida meia dúzia de obstáculos, laborando de manhã e de tarde para não desperdiçarem tempo e dinheiro. Num dos momentos de supercompensação, espantado pelo desembaraço desta mulher, o proprietário da pista exclamou: “Esta gente do Norte nada tem a ver com os outros!”, olhando de soslaio para um dos seus colaboradores, numa clara alusão à pasmaceira daquele e à necessidade que aguça o engenho.
As mulheres minhotas são por norma autênticos sargentos, autónomas e empreendedoras, acostumadas a gerir os seus proventos e a educar os filhos na ausência dos maridos, que ao longo da história têm emigrado para toda a parte, sempre que a pobreza lhes bate à porta ou urge procurar riqueza. Fiéis aos seus compromissos e forçadas pelas circunstâncias, elas têm vindo a construir famílias de cariz matriarcal, desempenhando funções e ocupando lugares pouco usuais noutras latitudes. Há quem diga que são pouco apelativas, masculinizadas e grosseiras de modos, mas quem as conhece nunca se queixou e parece ter uma opinião contrária, talvez porque as do passado, longe de serem bibelots, foram autênticas alfaias agrícolas, referência e porto seguro, gente que literalmente “fez das tripas coração”. O Minho deve às suas mulheres uma mais do que justa homenagem, porque sem elas há muito teria desaparecido do mapa, o que também não beneficiaria o País.
Questionada sobre os conteúdos de ensino que apreendeu naquela deslocação, a Lídia mostrou-se agradada e com vontade de ali voltar, saindo de lá com o cachorro a ser conduzido em liberdade. Quando interpelámos o seu filho acerca daquela excursão, o Pedro respondeu-nos: “ Foi muito fixe!” Outra coisa não seria de esperar, já que passou a tarde toda a mergulhar numa piscina, adormecendo no caminho de volta, à medida que as paisagens do sul se esbatiam ao sol poente, dominado pelo cansaço e a necessitar de uma boa noite de sono. O mesmo não aconteceu com o Rex, que nunca se deitou, fazendo todo o caminho de retorno com os olhos postos no infante, intrigado por vê-lo assim, tão quedo, vulnerável e indefeso.

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