Apesar de
Portugal já ser um país independente há oitocentos e setenta anos, se tomarmos
como referência o Tratado de Zamora lavrado em 05 de Outubro de 1143 e não a
proclamação de D. Afonso Henriques ocorrida em 1128, após a vitória na Batalha
de São Mamede ou o reconhecimento papal que viria a acontecer somente em 1179, os vínculos entre os galegos de Portugal e os portugueses de Espanha
ainda não se quebraram, como se a Gallaecia Romana permanecesse incólume e nunca
houvesse sido dividida, como veio a acontecer. Os Minhotos, primeiro celtas do
que suevos, herança que nos liga aos países europeus com a mesma origem, ainda
mesclam o português com o galego nas suas conversas, facto visível na gramática
utilizada, mormente na conjugação dos verbos, conservando arcaísmos que abraçam
também os substantivos. Assim é natural ouvirmos-lhes “imos de férias” ao invés
de “vamos de férias”, exactamente como conjugaria qualquer galego o verbo ir na
1ª pessoa do plural no presente indicativo. No seio dum grupo de galegos se idealizou
Portugal e do Minho eclodiu a nossa nacionalidade, apesar dos trajes
tradicionais e cantares minhotos parecerem estranhos à maioria dos portugueses
contemporâneos, menos conhecedores da nossa história e também provenientes
doutras origens.
Temos nas
nossas fileiras uma minhota vinda de Moreira do Lima (Ponte de Lima): a Lídia,
uma jovem mãe de um casal de crianças que é também condutora de um cachorro
Pastor Alemão (Rex). Mal aqui chegou, surpreendeu tudo e todos pelo seu afinco
ao trabalho, espírito de liderança, disponibilidade, vontade de aprender,
pragmatismo e índice de progresso, funcionando inúmeras vezes como fila-guia
das classes, apesar de ser das alunas mais recentes. No último Domingo,
ataviada de tudo o que precisava para suprir as necessidades do seu garoto, que
a acompanhou, agarrou no Rex e pôs-se à estrada, rumo a uma pista táctica que
há muito desejava conhecer. Trabalhou ali com o Rex e levaram de vencida meia dúzia
de obstáculos, laborando de manhã e de tarde para não desperdiçarem tempo e
dinheiro. Num dos momentos de supercompensação, espantado pelo desembaraço
desta mulher, o proprietário da pista exclamou: “Esta gente do Norte nada tem a
ver com os outros!”, olhando de soslaio para um dos seus colaboradores, numa
clara alusão à pasmaceira daquele e à necessidade que aguça o engenho.
As
mulheres minhotas são por norma autênticos sargentos, autónomas e
empreendedoras, acostumadas a gerir os seus proventos e a educar os filhos na
ausência dos maridos, que ao longo da história têm emigrado para toda a parte,
sempre que a pobreza lhes bate à porta ou urge procurar riqueza. Fiéis aos seus
compromissos e forçadas pelas circunstâncias, elas têm vindo a construir
famílias de cariz matriarcal, desempenhando funções e ocupando lugares pouco
usuais noutras latitudes. Há quem diga que são pouco apelativas, masculinizadas
e grosseiras de modos, mas quem as conhece nunca se queixou e parece ter uma
opinião contrária, talvez porque as do passado, longe de serem bibelots, foram
autênticas alfaias agrícolas, referência e porto seguro, gente que literalmente
“fez das tripas coração”. O Minho deve às suas mulheres uma mais do que justa homenagem,
porque sem elas há muito teria desaparecido do mapa, o que também não
beneficiaria o País.
Questionada sobre os conteúdos de ensino que
apreendeu naquela deslocação, a Lídia mostrou-se agradada e com vontade de ali
voltar, saindo de lá com o cachorro a ser conduzido em liberdade. Quando
interpelámos o seu filho acerca daquela excursão, o Pedro respondeu-nos: “ Foi
muito fixe!” Outra coisa não seria de esperar, já que passou a tarde toda a
mergulhar numa piscina, adormecendo no caminho de volta, à medida que as
paisagens do sul se esbatiam ao sol poente, dominado pelo cansaço e a
necessitar de uma boa noite de sono. O mesmo não aconteceu com o Rex, que nunca
se deitou, fazendo todo o caminho de retorno com os olhos postos no infante, intrigado
por vê-lo assim, tão quedo, vulnerável e indefeso.
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