Como
introdução, muito nos agradaria que todos os proprietários caninos já tivessem
lido a obra de António Damásio “Ao Encontro de Espinosa”, que relessem Desmond
Morris e que se deliciassem com os escritos de Konrad Lorenz, porque melhor se
conheceriam, se dariam a conhecer e compreenderiam os seus cães, libertando-se
do antropomorfismo e do animismo que tantas fábulas vêm erigindo no universo
canino, mas que afortunadamente não têm conseguido ofuscar as que Jean de La Fontaine nos deixou.
Agora que se escondem as causas por detrás dos efeitos e se imputa aos cães a
responsabilidade do seu desnorte, sentença de que apelariam caso falassem, urge
saber como conduzi-los: se soltos ou atrelados, visando a sua futura condução em liberdade. Importa
saber à partida para que os destinamos, se para companhia, se para o trabalho,
muito embora em qualquer dos casos a regra seja indispensável. No entanto, é
sabido que aos cães de companhia menos lhe é exigível, o que implica numa maior
tolerância mercê dos menores encargos e expectativas dos donos. Ninguém tem
dúvidas que todos precisam de ser soltos e andar em liberdade, também que a
trela possa ser um precioso subsídio de ensino, onde as opiniões divergem é no
momento em que fazê-lo, havendo uns que os soltam logo desde cachorros e outros
que o fazem um pouco mais tarde, mantendo-os por mais tempo atrelados. Todos
procuram o bem-estar dos seus cães, uns têm como prioridade a sua felicidade e
os outros a sua salvaguarda.
E porque
nos foi pedido conselho, adiantamos aqui a nossa opinião e as razões que nos
assistem, sem contudo querer forçar ninguém, porque sabemos de antemão que cada
um fará como lhe aprouver, na discrepância entre a afeição e a regra. Entendemos
nós que os cachorros só deverão ser soltos depois de haverem assimilado o
“junto” e de responderem prontamente ao comando de “aqui”, porque apostamos na
sua salvaguarda, não queremos correr riscos e não desejamos incomodar
terceiros, o que não nos impede de estender a trela extensível para que façam
as necessidades ou de os soltar em áreas domésticas ou urbanas onde não corram
qualquer risco. A nossa opção pelo atrelamento, que visa também a futura
condução segura em liberdade, em tudo uma medida preventiva, pode também ser
entendida pelo programa de vacinação, já que os cachorros só deverão sair à rua
depois de vacinados. Seguindo o mesmo critério, só deverão ser soltos quando
estivermos certos que não nos fogem, ignorando qualquer um, desinteressando-se
dos brinquedos doutrem, de perseguir outros cachorros e de se sujeitarem aos
seus ataques. Perguntar-se-á: e a sociabilização quando e como será? Deverá
acontecer logo que possível, garantindo a trela o controlo e a familiarização
que induzem à melhor aceitação.
Para além
dos aspectos relativos à salvaguarda dos cachorros, porque nos dedicamos aos
cães de utilidade, a condução atrelada tanto possibilita o controlo dos mais
belicosos como o robustecimento de carácter dos mais receosos, graças ao
exercício da liderança e à segurança que ela oferece, recriando o binómio a
mestria dos cães adultos com cachorros ao seu encargo. Como os cachorros desde
muito cedo instam em seguir-nos, tornando-se por vezes até incómodos,
convidá-los para marchar ao nosso lado é ir de encontro aos seus anseios e
promovê-los, medida que aceitam de bom grado e que tornará o atrelamento mais
fácil e menos coercivo.
Pomos os
cachorros à trela desde tenra idade (logo aos 2 meses), para que bem cedo
compreendam as nossas aspirações, o que esperamos deles e o que necessitamos
para nos complementarem, norteando para isso a sua máquina sensorial,
aproveitando, desenvolvendo e regrando os seus impulsos herdados sem esquecer o
controlo dos seus instintos, persistindo em simultâneo para que se fixem na pessoa
dos seus condutores, tarefas que obrigarão estes a dar-lhes uma experiência
variada e rica que possibilite o seu equilíbrio e o desenvolvimento físico
harmonioso que induz ao aumento da sua capacidade de aprendizagem. Se a
selecção aconteceu e a escolha do cachorro foi acertada, tal qual jovem
príncipe instruído para ser rei, o animal tudo terá para nos satisfazer e
complementar.
Deixar
andar os cachorros “à vara larga” e depois surpreendê-los com o adestramento,
novidade à qual sempre oferecem alguma resistência, talvez por se sentirem inadaptados,
despreparados e traídos, é atentar contra os princípios gerais da pedagogia de
ensino e relegá-los para um processo de doma. Não podemos consentir que se
afastem para depois os obrigar a ficar junto, que se distraiam amiúde para
depois lhe exigirmos concentração, porque mais do que persuasivo ou coercivo,
este é um caso inequívoco de violência gratuita, eventualmente suavizado pelo
concurso de brinquedos, biscoitos ou por outro tipo de compensações. E quando
isto acontece, desperdiça-se a fase plástica dos animais e desaproveita-se
grande parte do seu potencial cognitivo, limitando-se assim o seu legado,
capacidade de aprendizagem e prestação. Deixamos aqui uma das nossas máximas:
“uma boa condução à trela garante a condução em liberdade sem atropelos”.
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