quinta-feira, 17 de outubro de 2013

NUNCA OUVI LADRAR O MEU PASTOR ALEMÃO NEGRO

Esta exclamação pertence a um nosso aluno, proprietário de um Pastor Alemão negro (muitas vezes mal entendido como Pastor Belga devido à cor), que nunca teve um exemplar desta variedade recessiva. Desde há muito que nos encontramos ligados aos Pastores Alemães negros uniformes, porque produzimos cerca de duzentos e treinámos metade deles, conhecendo por isso o potencial e particulares desta variedade cromática, o que não implica que não houvéssemos produzido outros e em maior número, dentro da política de selecção que nos diferenciou, baseada nos beneficiamentos entre exemplares da variedade dominante (preto-afogueada) com os restantes de variedade recessiva reconhecida pelo estalão. Procedemos assim porque entendemos que o melhor se encontra na variedade dominante, desde que ela não exclua o precioso contributo das recessivas, que contribuíram e continuam a contribuir, para o melhor apetrechamento e bom-nome da raça.
A criação exclusiva de negros, sem o contributo das restantes variedades cromáticas (unicolores e bicolores), tem-se revelado um desastre e nalguns casos um autêntico disparate, porque os exemplares dela provenientes perdem cabeça e ossatura, assistindo-se a fenómenos de pernaltismo e nanismo, para além doutras características desconsideradas no estalão, tanto físicas como psicológicas. Por causa disto, durante algumas décadas e face à pobreza dos exemplares produzidos, alguns criadores viram-se obrigados a comprar, depois da terceira geração, novos padreadores da mesma côr para manter a caracterização necessária, entrando num círculo vicioso de difícil saída, dispendioso e inválido, contribuindo assim para o desprezo da variedade, a despeito da sua importância na proto-selecção da raça. Como produzimos, acompanhámos e testámos os nossos exemplares, podemos afirmar, a título de esclarecimento e sem faltar à verdade, que os melhores exemplares negros são os encontrados com 4 e 3/8 de preto-afogueado na sua construção, porque não perdem envergadura e mantêm as qualidades reconhecidos aos negros, mais-valias que a seguir enunciaremos. 
São 7 as mais-valias que os Pastores Alemães negros emprestam aos restantes pastores, a saber: alta capacidade de aprendizagem, excelente parceria, menor odor corporal, progressão silenciosa, resistência ao frio, solidez de carácter e superior concentração. Estes cães aprendem com mais facilidade do que os da variedade dominante, alcançando os 50 comandos instalados, precocemente e sem grande dificuldade, desnecessitando de muita repetição para abraçarem os automatismos. São naturalmente curiosos e vivem em constante observação, o que bem os capacita para tarefas mais complicadas e para obstáculos de difícil resolução. Do ponto de vista social são mais apegados ao dono, menos propensos ao suborno, ávidos da liderança e pouco dados a distracções. De todas as variedades que compõem os Pastores Alemães, os negros são os que menos odor têm, porque absorvem o calor mais depressa e secam rapidamente, o que os torna ideais para a coabitação dentro de casa. 
Ladram muito pouco e pela certa, evoluindo silenciosos o que os torna menos detectáveis. Resistem sem maiores dificuldades ao frio e suportam temperaturas até aos – 7 graus centígrados sem tremuras (por vezes passam noites ao relento e à chuva). Estas características transformam-nos em excelentes guardas-nocturnos. Têm um carácter calmo e reagem menos às provocações, têm noção do perigo e não empregam a força gratuitamente, sendo seguros de propensão e zelosos dos seus deveres. Concentram-se no trabalho como se houvessem nascido para ele, assimilam novas tarefas, aceitam a novidade de desafios e parece sobrar-lhes disponibilidade cognitiva. Por curiosidade, adianta-se que os dois cães que mais protagonizaram a série “Inspector Max”, apesar de preto-afogueados, cada um deles descendia dum progenitor negro (Bravo e Lobo). 
É comum dizer-se que os cães negros são “os cães do Natal”, o que tem alguma razão de ser, porque os melhores exemplares desta variedade necessitam de apanhar as duas estações mais frias para o seu desenvolvimento (Outono e Inverno), para que não atinjam precocemente a maturidade sexual e possam ver diminuída a sua curva de crescimento. Por causa disto, os criadores mais experientes optam por cruzar as cadelas no final do Verão ou no princípio do Outono, estando os cachorros prontos para sair por ocasião dessa festa maior do calendário litúrgico cristão. Ao invés, os cachorros desta variedade que nascem no Inverno e vão apanhar pela frente as duas estações mais quentes do ano, ao crescerem rapidamente, mercê da acção do sol e do seu particular cromático, são normalmente mais pequenos e de curva de crescimento mais curta, ainda que mais robustos em termos de ossatura e envergadura, ocasião aproveitada para o beneficiamento de animais mais delgados, leves ou exageradamente altos. Os exemplares negros, enquanto não se adaptam, sofrem horrores com o calor meridional porque aquecem mais do que os restantes pastores, quando em exposição ao sol, o que sempre levará ao secar da sua pele e ao consequente aparecimento de pêlo avermelhado, não dispensando por isso mesmo duma dieta rica. É importante não esquecer que eles têm subpêlo e que no Verão vêem aumentados os seus ritmos vitais, o que obviamente lhes aumenta o desgaste. 
Existem Pastores Alemães negros de pêlo comprido, e não existem mais porque os criadores obstam à sua proliferação, para não aumentar a confusão com o Pastor Belga Groenendael, apesar da profunda diferença morfológica entre as raças. Os animais de pêlo comprido, em qualquer uma das variedades cromáticas presentes no Pastor Alemão, não são desejáveis, apesar do esplendor do seu manto, porque têm subpêlo e os cães aquecem em demasia, são mais leves, obrigam a maiores cuidados de higiene, carregam consigo menor capa óssea e vários desaprumos (ex: abatimento de metacarpos, mãos atiradas para fora e jarrete de vaca). São por norma curiosos, bons atletas e céleres na transição de andamentos, ainda que mais sensíveis e sujeitos a lesões.

A celeridade operativa dos Pastores Negros, fenómeno associado à sua precocidade cognitiva, tanto pode ser uma vantagem como uma desvantagem: vantagem para quem os conhece e desvantagem para quem os julga pelo critério doutros. Pela tabela de Crescimento Funcional que usamos, que engloba as três disciplinas básicas do adestramento clássico (obediência, pistagem e guarda), junto com a ginástica, o desempenho de um cão negro de 8 meses é igual ao de um preto-afogueado com 12 e ao de um lobeiro com 18, o que nos obriga a aceitar os pastores negros logo aos 4 meses, para melhor aproveitarmos a sua fase plástica e se possível prolongá-la, enriquecendo-a pela experiência variada e pela novidade de desafios. Deixar o treino de um cão negro para depois dos 12 meses de idade, para além de um desperdício, pode ser um tarefa árdua e votada ao insucesso, pelo combate às posturas doadas pela experiência directa, bem cedo assumidas por estes pastores e transformadas em modo de vida. Mesmo começando o treino aos 4 meses, convém que a maior parte da carga horária caiba ao conjunto “pistagem-ginástica-guarda” e não à obediência estática ou linear, para que os cachorros não acusem em demasia o travamento, percam autonomia e resistam a outras atribuições. Já assistimos a casos destes e foi-nos impossível recuperar plenamente os cachorros, apesar da natureza dos diferentes estímulos utilizados. Há quem lhes chame “estupidamente obedientes” e cativos à sua condição (proveniência). 
Sempre que se requisita um pastor negro como reprodutor, para além de se retornar aos primórdios da raça, alcança-se na sua prole um maior impulso ao conhecimento, o que a tornará mais segura e apta para a parceria, desde que o negro usado tenha no mínimo 4/8 dessa variedade e as outras que ele carrega, por serem menos válidas, não obstem a essa transmissão. O beneficiamento mais comum dos negros tem acontecido com os lobeiros, à imitação do que sempre foi feito, o que no nosso entender melhor serve aos segundos, porque ganham envergadura e equilíbrio de carácter, em detrimento dos negros que perdem envergadura, ganham desconfiança e tendem a ser famélicos ou pernaltas. O beneficiamento entre estas variedades cromáticas, indubitavelmente histórico, dependendo do teor de cinzento presente na construção dos progenitores, pode gerar animais negros com os olhos claros, fenómeno indesejável que dota esses indivíduos dum olhar frio, penetrante e intimidatório. 
O beneficiamento do negro com outras variedades recessivas perde a sua razão de ser e não pode ser entendido como tal à luz do estalão. No entanto, se o indivíduo recessivo a beneficiar tiver mais de 4/8 da variedade dominante (preto-afogueado) na sua construção, os riscos disso acontecer serão praticamente nulos. Como atrás já dissemos, o melhor beneficiamento para o negro é com o preto-afogueado, porque os exemplares negros alcançarão maior versatilidade, outra autonomia, melhor cabeça e ossatura. Os preto-afogueados daí provenientes ganharão melhor equilíbrio de carácter, mais curiosidade, maior concentração, melhor máscara e conservarão a cor negra por mais tempo, pormenor que os auxiliará no exercício guardião, na execução do serviço nocturno e evitará a despigmentação precoce que por aí grassa. 
Beneficiar um negro com um preto-afogueado para alcançar exemplares negros nem sempre é possível, porque a cor negra é recessiva (por força da selecção rácica operada). Só será possível se o preto-afogueado tiver na sua construção um exemplar negro até à terceira geração a ele antecedente. O aparecimento de exemplares negros para exposição (muito angulados de traseira) tem acontecido com alguma frequência, o que prova a existência desses cães desde a origem da raça. Contudo, devido à morfologia e biomecânica, factores que influem directamente no carácter, no comportamento e na máquina sensorial, estes exemplares de negro têm pouco, sendo preto-afogueados encobertos noutra cor. O beneficiamento com os lobeiros, desconsiderando o desproveito atrás mencionado, irá dotar os negros de melhor olfacto ou equilibrá-lo de acordo com a audição. 
É possível e nós conseguimo-lo, chegar ao cinzento uniforme pela contribuição do negro, o que a ninguém deve espantar diante da transição (evolução) cromática operada entre os pastores, de unicolores para bicolores, uma vez que a presença de uma cor fixa (uniforme) pode levar ao aparecimento das outras ainda presentes nos pastores. E conseguimo-lo, porque o negro utilizado no beneficiamento tinha ascendência em lobeiro e o outro progenitor era também dessa cor, ainda que com 2/8 em preto-afogueado. Os cães cinzentos daí resultantes obtiveram um comportamento e desempenho idêntico ao dos negros, muito embora fossem mais serôdios e com tendências para o gigantismo, facto a que não foi alheio a linha de lobeiros utilizada, sobrando daí exemplares um pouco acima dos 70cm de altura. 
O Pastor Alemão Negro é um companheiro que deve evoluir do interior para o exterior, ser primeiro instalado dentro de casa, depois no quintal e finalmente na restante área da propriedade, de acordo com o seu desejo, intrinsecamente ligado ao seu equilíbrio emocional, bem-estar social, sexo, idade, autonomia e capacitação. Largá-lo em grandes extensões antes dos 6 meses de idade é apelar indecentemente aos seus instintos e relançá-lo no mundo silvestre, como se tratasse dum lobo negro. Converter um cão adulto, com este passado, em cão de companhia ou utilidade não é fácil, porque o retorno ao atavismo irá dificultar a relação binomial, a aceitação da liderança e a novidade territorial, já que bem depressa se revoltará e tudo fará para retornar ao seu viver anterior. Passados estes anos todos, ainda temos alguma dificuldade em compreender quem quer transformar cães em lobos. Não seria mais fácil, menos doloso e próprio adquirir um lobo à partida? Infelizmente tal não é fácil, para bem dos lobos e mal dos cães. 
Mais rápido do que as outras variedades cromáticas da sua raça, o Pastor Alemão Negro se adaptará a agregados familiares maiores e suportará as diabruras das crianças, muito embora venha a escolher um líder e viva de acordo com as regras que ele lhe vier a estipular. É extraordinariamente limpo, ao ponto de o ser mais do que alguns donos, que inebriados pelo comodismo, se esquecem de levar os cães à rua. Tem menos necessidades excursionistas e teima em permanecer junto aos donos, quase sem ser visto e sem algazarra, o que não implica que não esteja atento e em constante alerta. Insiste em colaborar nas tarefas domésticas e não estranha as diferentes atitudes dos membros do agregado familiar, apesar de melhor se identificar com os menos explosivos, para ele mais perceptíveis pela constância de comportamento. Não reage a provocações sem olhar para o dono e só avança debaixo de ordem expressa. Aceita com facilidade os comandos inibitórios e dispensa maiores recapitulações, sociabiliza-se facilmente com outros cães e tende a protegê-los. Por estas razões e outras que não manifestámos, talvez por ingratidão e incúria, o Pastor Alemão Negro tem tudo para ser um excelente cão de família. 
Como cão de guarda ele é óptimo, porque se mostra pouco, não se afasta muito da porta de casa e é praticamente invisível à noite, não sofre com os seus horrores e evolui silencioso, avançando sem bufar ou ladrar, o que lhe permite abordagens seguras e ataques de surpresa. Porém, necessita de desenvolver e de usar mais o faro, porque tendencialmente opera a detecção ao ouvido, o que o vulnerabiliza perante algumas manobras de distracção e pode causar alguns dissabores aos donos (convém chamá-lo pelo nome antes da aproximação). Desfere ataques violentos, suspensos, frontais e de um só golpe, sacudindo e puxando depois a presa para si. Quando um negro ataca a vários golpes, dando um de aviso e distribuindo uns tantos até à imobilização do intruso, tal pode ficar a dever-se à genética, ao condicionamento ou a ambos. A ocorrência terá uma origem genética se a construção do cão assentar sobre 3 ou mais oitavos de lobeiro, porque entre os cães parcialmente cinzentos é comum assistir-se ao aparecimento de várias “costureirinhas”, animais mais desconfiados, peritos em ataques de surtida, de golpes sucessivos e imprevisíveis. Contudo, o condicionamento específico pode produzir o mesmo resultado e a soma de ambos tornar o trabalho do cão mais eficaz. 
Como cão de pistagem, quanto homozigótico, a sua prestação não é excelente, sendo melhor em ecossistemas húmidos do que nos secos, podendo detectar nessas condições objectos ou indícios para além das 48 horas. A excelência de um pastor negro na pistagem, quando não é decorrente do treino aturado, resulta invariavelmente do benefício doutras variedades cromáticas por detrás do seu manto ou de exemplares negros seleccionados para esse efeito, pois convém não esquecer que estamos a falar de indivíduos. Pode e tem sido usado para detectar cadáveres dentro de água, em temperaturas onde o uso doutros se tem revelado ineficaz. Mas é na montanha que se sente mais à vontade, particularmente quando esta se encontra nevada, desde que a altitude não ultrapasse os 2.500m. Os pastores negros homozigóticos ou com 5/8 de negro, têm as membranas interdigitais mais adiantadas e redondas do que os restantes pastores, o que lhes possibilita uma locomoção também segura nos pisos mais soltos. Como cada um deve ser usado no que de melhor tem, o pastor alemão negro é próprio para o resgate e desencarceramento de pessoas. 
Nascido para as pistas tácticas, é capaz de resolver satisfatoriamente os obstáculos compostos mais intrincados ou de técnica mais exigente, porque é curioso, bastante observador, confia na liderança e não se deixa vencer pela ansiedade. Grava sem maior dificuldade o modo de transposição dos obstáculos, podendo vir a executá-los de olhos vendados. Nos obstáculos de endurance sempre atinge a fasquia mais alta, resolvendo-os com segurança e naturalidade, como se eles fossem comuns e não exigissem concentração e rara precisão. Lembramos aqui o Pastor Negro de Theo Gygas, capa de algumas edições da obra “O CÃO EM NOSSA CASA”, e não nos podemos esquecer do Juby, um pastor alemão negro que aos 7 meses de idade já fazia, em liberdade, o arco do fogo e o muro de 1.80cm, sendo o único a ultrapassar um muro de 3m de altura, façanha que mais nenhum cão repetiu. E o que dizer do Warrior, que fazia os obstáculos do perímetro exterior com um halter metálico de 21kg na boca e que tinha uma força de impacto de 160kg? É impossível esquecer-nos do Boris, do Bravo, do Juby, do Klint, do Schwartz, do Tot e do War, entre tantos outros, todos eles pastores alemães negros, que enalteceram o nosso trabalho e dos quais sempre seremos devedores. 
Atendendo à excelência do pastor alemão negro, lamentavelmente recessivo para alguns, temendo pelo seu subaproveitamento, nunca aconselhámos como primeiro cão de alguém, um exemplar desta variedade. Ao invés, sempre remetemos os principiantes para a experiência prévia num da variedade dominante, para que mais tarde pudessem compreender a diferença entre o comum e o excepcional. Daqui felicitamos os novos criadores de Pastores Alemães Negros, oxalá continuem a sua selecção com base no impulso ao conhecimento (em quadro aberto) e escrevam novas páginas para o engrandecimento da variedade, para que mais tarde, depois do dever cumprido, possam dizer como Stephanitz: “O Pastor Alemão nasceu para trabalhar e nisso deve permanecer”. Mas afinal qual era o título e o tema deste texto? Ah, sim! Minha Senhora, durma descansada e sossegue o seu coração, se o seu cachorro pastor alemão negro não ladra, é porque está tudo bem e não se passa nada! Ele é naturalmente seguro e silencioso. Quando o ouvir ladrar, corra para ele, pode ser que precise de ajuda ou que a esteja a avisar de algo anómalo. Os Pastores Negros são assim, a maior parte do tempo nem damos por eles, apesar de estarem sempre ao nosso lado. Parabéns pela escolha e não se esqueça de a honrar, dando ao seu cachorro uma experiência feliz, variada e rica, apostada no seu bem-estar e no aproveitamento da parceria, pela cumplicidade possível entre homens e cães.

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