quinta-feira, 17 de outubro de 2013

NUNCA OUVI LADRAR O MEU PASTOR ALEMÃO NEGRO

Esta exclamação pertence a um nosso aluno, proprietário de um Pastor Alemão negro (muitas vezes mal entendido como Pastor Belga devido à cor), que nunca teve um exemplar desta variedade recessiva. Desde há muito que nos encontramos ligados aos Pastores Alemães negros uniformes, porque produzimos cerca de duzentos e treinámos metade deles, conhecendo por isso o potencial e particulares desta variedade cromática, o que não implica que não houvéssemos produzido outros e em maior número, dentro da política de selecção que nos diferenciou, baseada nos beneficiamentos entre exemplares da variedade dominante (preto-afogueada) com os restantes de variedade recessiva reconhecida pelo estalão. Procedemos assim porque entendemos que o melhor se encontra na variedade dominante, desde que ela não exclua o precioso contributo das recessivas, que contribuíram e continuam a contribuir, para o melhor apetrechamento e bom-nome da raça.
A criação exclusiva de negros, sem o contributo das restantes variedades cromáticas (unicolores e bicolores), tem-se revelado um desastre e nalguns casos um autêntico disparate, porque os exemplares dela provenientes perdem cabeça e ossatura, assistindo-se a fenómenos de pernaltismo e nanismo, para além doutras características desconsideradas no estalão, tanto físicas como psicológicas. Por causa disto, durante algumas décadas e face à pobreza dos exemplares produzidos, alguns criadores viram-se obrigados a comprar, depois da terceira geração, novos padreadores da mesma côr para manter a caracterização necessária, entrando num círculo vicioso de difícil saída, dispendioso e inválido, contribuindo assim para o desprezo da variedade, a despeito da sua importância na proto-selecção da raça. Como produzimos, acompanhámos e testámos os nossos exemplares, podemos afirmar, a título de esclarecimento e sem faltar à verdade, que os melhores exemplares negros são os encontrados com 4 e 3/8 de preto-afogueado na sua construção, porque não perdem envergadura e mantêm as qualidades reconhecidos aos negros, mais-valias que a seguir enunciaremos. 
São 7 as mais-valias que os Pastores Alemães negros emprestam aos restantes pastores, a saber: alta capacidade de aprendizagem, excelente parceria, menor odor corporal, progressão silenciosa, resistência ao frio, solidez de carácter e superior concentração. Estes cães aprendem com mais facilidade do que os da variedade dominante, alcançando os 50 comandos instalados, precocemente e sem grande dificuldade, desnecessitando de muita repetição para abraçarem os automatismos. São naturalmente curiosos e vivem em constante observação, o que bem os capacita para tarefas mais complicadas e para obstáculos de difícil resolução. Do ponto de vista social são mais apegados ao dono, menos propensos ao suborno, ávidos da liderança e pouco dados a distracções. De todas as variedades que compõem os Pastores Alemães, os negros são os que menos odor têm, porque absorvem o calor mais depressa e secam rapidamente, o que os torna ideais para a coabitação dentro de casa. 
Ladram muito pouco e pela certa, evoluindo silenciosos o que os torna menos detectáveis. Resistem sem maiores dificuldades ao frio e suportam temperaturas até aos – 7 graus centígrados sem tremuras (por vezes passam noites ao relento e à chuva). Estas características transformam-nos em excelentes guardas-nocturnos. Têm um carácter calmo e reagem menos às provocações, têm noção do perigo e não empregam a força gratuitamente, sendo seguros de propensão e zelosos dos seus deveres. Concentram-se no trabalho como se houvessem nascido para ele, assimilam novas tarefas, aceitam a novidade de desafios e parece sobrar-lhes disponibilidade cognitiva. Por curiosidade, adianta-se que os dois cães que mais protagonizaram a série “Inspector Max”, apesar de preto-afogueados, cada um deles descendia dum progenitor negro (Bravo e Lobo). 
É comum dizer-se que os cães negros são “os cães do Natal”, o que tem alguma razão de ser, porque os melhores exemplares desta variedade necessitam de apanhar as duas estações mais frias para o seu desenvolvimento (Outono e Inverno), para que não atinjam precocemente a maturidade sexual e possam ver diminuída a sua curva de crescimento. Por causa disto, os criadores mais experientes optam por cruzar as cadelas no final do Verão ou no princípio do Outono, estando os cachorros prontos para sair por ocasião dessa festa maior do calendário litúrgico cristão. Ao invés, os cachorros desta variedade que nascem no Inverno e vão apanhar pela frente as duas estações mais quentes do ano, ao crescerem rapidamente, mercê da acção do sol e do seu particular cromático, são normalmente mais pequenos e de curva de crescimento mais curta, ainda que mais robustos em termos de ossatura e envergadura, ocasião aproveitada para o beneficiamento de animais mais delgados, leves ou exageradamente altos. Os exemplares negros, enquanto não se adaptam, sofrem horrores com o calor meridional porque aquecem mais do que os restantes pastores, quando em exposição ao sol, o que sempre levará ao secar da sua pele e ao consequente aparecimento de pêlo avermelhado, não dispensando por isso mesmo duma dieta rica. É importante não esquecer que eles têm subpêlo e que no Verão vêem aumentados os seus ritmos vitais, o que obviamente lhes aumenta o desgaste. 
Existem Pastores Alemães negros de pêlo comprido, e não existem mais porque os criadores obstam à sua proliferação, para não aumentar a confusão com o Pastor Belga Groenendael, apesar da profunda diferença morfológica entre as raças. Os animais de pêlo comprido, em qualquer uma das variedades cromáticas presentes no Pastor Alemão, não são desejáveis, apesar do esplendor do seu manto, porque têm subpêlo e os cães aquecem em demasia, são mais leves, obrigam a maiores cuidados de higiene, carregam consigo menor capa óssea e vários desaprumos (ex: abatimento de metacarpos, mãos atiradas para fora e jarrete de vaca). São por norma curiosos, bons atletas e céleres na transição de andamentos, ainda que mais sensíveis e sujeitos a lesões.

A celeridade operativa dos Pastores Negros, fenómeno associado à sua precocidade cognitiva, tanto pode ser uma vantagem como uma desvantagem: vantagem para quem os conhece e desvantagem para quem os julga pelo critério doutros. Pela tabela de Crescimento Funcional que usamos, que engloba as três disciplinas básicas do adestramento clássico (obediência, pistagem e guarda), junto com a ginástica, o desempenho de um cão negro de 8 meses é igual ao de um preto-afogueado com 12 e ao de um lobeiro com 18, o que nos obriga a aceitar os pastores negros logo aos 4 meses, para melhor aproveitarmos a sua fase plástica e se possível prolongá-la, enriquecendo-a pela experiência variada e pela novidade de desafios. Deixar o treino de um cão negro para depois dos 12 meses de idade, para além de um desperdício, pode ser um tarefa árdua e votada ao insucesso, pelo combate às posturas doadas pela experiência directa, bem cedo assumidas por estes pastores e transformadas em modo de vida. Mesmo começando o treino aos 4 meses, convém que a maior parte da carga horária caiba ao conjunto “pistagem-ginástica-guarda” e não à obediência estática ou linear, para que os cachorros não acusem em demasia o travamento, percam autonomia e resistam a outras atribuições. Já assistimos a casos destes e foi-nos impossível recuperar plenamente os cachorros, apesar da natureza dos diferentes estímulos utilizados. Há quem lhes chame “estupidamente obedientes” e cativos à sua condição (proveniência). 
Sempre que se requisita um pastor negro como reprodutor, para além de se retornar aos primórdios da raça, alcança-se na sua prole um maior impulso ao conhecimento, o que a tornará mais segura e apta para a parceria, desde que o negro usado tenha no mínimo 4/8 dessa variedade e as outras que ele carrega, por serem menos válidas, não obstem a essa transmissão. O beneficiamento mais comum dos negros tem acontecido com os lobeiros, à imitação do que sempre foi feito, o que no nosso entender melhor serve aos segundos, porque ganham envergadura e equilíbrio de carácter, em detrimento dos negros que perdem envergadura, ganham desconfiança e tendem a ser famélicos ou pernaltas. O beneficiamento entre estas variedades cromáticas, indubitavelmente histórico, dependendo do teor de cinzento presente na construção dos progenitores, pode gerar animais negros com os olhos claros, fenómeno indesejável que dota esses indivíduos dum olhar frio, penetrante e intimidatório. 
O beneficiamento do negro com outras variedades recessivas perde a sua razão de ser e não pode ser entendido como tal à luz do estalão. No entanto, se o indivíduo recessivo a beneficiar tiver mais de 4/8 da variedade dominante (preto-afogueado) na sua construção, os riscos disso acontecer serão praticamente nulos. Como atrás já dissemos, o melhor beneficiamento para o negro é com o preto-afogueado, porque os exemplares negros alcançarão maior versatilidade, outra autonomia, melhor cabeça e ossatura. Os preto-afogueados daí provenientes ganharão melhor equilíbrio de carácter, mais curiosidade, maior concentração, melhor máscara e conservarão a cor negra por mais tempo, pormenor que os auxiliará no exercício guardião, na execução do serviço nocturno e evitará a despigmentação precoce que por aí grassa. 
Beneficiar um negro com um preto-afogueado para alcançar exemplares negros nem sempre é possível, porque a cor negra é recessiva (por força da selecção rácica operada). Só será possível se o preto-afogueado tiver na sua construção um exemplar negro até à terceira geração a ele antecedente. O aparecimento de exemplares negros para exposição (muito angulados de traseira) tem acontecido com alguma frequência, o que prova a existência desses cães desde a origem da raça. Contudo, devido à morfologia e biomecânica, factores que influem directamente no carácter, no comportamento e na máquina sensorial, estes exemplares de negro têm pouco, sendo preto-afogueados encobertos noutra cor. O beneficiamento com os lobeiros, desconsiderando o desproveito atrás mencionado, irá dotar os negros de melhor olfacto ou equilibrá-lo de acordo com a audição. 
É possível e nós conseguimo-lo, chegar ao cinzento uniforme pela contribuição do negro, o que a ninguém deve espantar diante da transição (evolução) cromática operada entre os pastores, de unicolores para bicolores, uma vez que a presença de uma cor fixa (uniforme) pode levar ao aparecimento das outras ainda presentes nos pastores. E conseguimo-lo, porque o negro utilizado no beneficiamento tinha ascendência em lobeiro e o outro progenitor era também dessa cor, ainda que com 2/8 em preto-afogueado. Os cães cinzentos daí resultantes obtiveram um comportamento e desempenho idêntico ao dos negros, muito embora fossem mais serôdios e com tendências para o gigantismo, facto a que não foi alheio a linha de lobeiros utilizada, sobrando daí exemplares um pouco acima dos 70cm de altura. 
O Pastor Alemão Negro é um companheiro que deve evoluir do interior para o exterior, ser primeiro instalado dentro de casa, depois no quintal e finalmente na restante área da propriedade, de acordo com o seu desejo, intrinsecamente ligado ao seu equilíbrio emocional, bem-estar social, sexo, idade, autonomia e capacitação. Largá-lo em grandes extensões antes dos 6 meses de idade é apelar indecentemente aos seus instintos e relançá-lo no mundo silvestre, como se tratasse dum lobo negro. Converter um cão adulto, com este passado, em cão de companhia ou utilidade não é fácil, porque o retorno ao atavismo irá dificultar a relação binomial, a aceitação da liderança e a novidade territorial, já que bem depressa se revoltará e tudo fará para retornar ao seu viver anterior. Passados estes anos todos, ainda temos alguma dificuldade em compreender quem quer transformar cães em lobos. Não seria mais fácil, menos doloso e próprio adquirir um lobo à partida? Infelizmente tal não é fácil, para bem dos lobos e mal dos cães. 
Mais rápido do que as outras variedades cromáticas da sua raça, o Pastor Alemão Negro se adaptará a agregados familiares maiores e suportará as diabruras das crianças, muito embora venha a escolher um líder e viva de acordo com as regras que ele lhe vier a estipular. É extraordinariamente limpo, ao ponto de o ser mais do que alguns donos, que inebriados pelo comodismo, se esquecem de levar os cães à rua. Tem menos necessidades excursionistas e teima em permanecer junto aos donos, quase sem ser visto e sem algazarra, o que não implica que não esteja atento e em constante alerta. Insiste em colaborar nas tarefas domésticas e não estranha as diferentes atitudes dos membros do agregado familiar, apesar de melhor se identificar com os menos explosivos, para ele mais perceptíveis pela constância de comportamento. Não reage a provocações sem olhar para o dono e só avança debaixo de ordem expressa. Aceita com facilidade os comandos inibitórios e dispensa maiores recapitulações, sociabiliza-se facilmente com outros cães e tende a protegê-los. Por estas razões e outras que não manifestámos, talvez por ingratidão e incúria, o Pastor Alemão Negro tem tudo para ser um excelente cão de família. 
Como cão de guarda ele é óptimo, porque se mostra pouco, não se afasta muito da porta de casa e é praticamente invisível à noite, não sofre com os seus horrores e evolui silencioso, avançando sem bufar ou ladrar, o que lhe permite abordagens seguras e ataques de surpresa. Porém, necessita de desenvolver e de usar mais o faro, porque tendencialmente opera a detecção ao ouvido, o que o vulnerabiliza perante algumas manobras de distracção e pode causar alguns dissabores aos donos (convém chamá-lo pelo nome antes da aproximação). Desfere ataques violentos, suspensos, frontais e de um só golpe, sacudindo e puxando depois a presa para si. Quando um negro ataca a vários golpes, dando um de aviso e distribuindo uns tantos até à imobilização do intruso, tal pode ficar a dever-se à genética, ao condicionamento ou a ambos. A ocorrência terá uma origem genética se a construção do cão assentar sobre 3 ou mais oitavos de lobeiro, porque entre os cães parcialmente cinzentos é comum assistir-se ao aparecimento de várias “costureirinhas”, animais mais desconfiados, peritos em ataques de surtida, de golpes sucessivos e imprevisíveis. Contudo, o condicionamento específico pode produzir o mesmo resultado e a soma de ambos tornar o trabalho do cão mais eficaz. 
Como cão de pistagem, quanto homozigótico, a sua prestação não é excelente, sendo melhor em ecossistemas húmidos do que nos secos, podendo detectar nessas condições objectos ou indícios para além das 48 horas. A excelência de um pastor negro na pistagem, quando não é decorrente do treino aturado, resulta invariavelmente do benefício doutras variedades cromáticas por detrás do seu manto ou de exemplares negros seleccionados para esse efeito, pois convém não esquecer que estamos a falar de indivíduos. Pode e tem sido usado para detectar cadáveres dentro de água, em temperaturas onde o uso doutros se tem revelado ineficaz. Mas é na montanha que se sente mais à vontade, particularmente quando esta se encontra nevada, desde que a altitude não ultrapasse os 2.500m. Os pastores negros homozigóticos ou com 5/8 de negro, têm as membranas interdigitais mais adiantadas e redondas do que os restantes pastores, o que lhes possibilita uma locomoção também segura nos pisos mais soltos. Como cada um deve ser usado no que de melhor tem, o pastor alemão negro é próprio para o resgate e desencarceramento de pessoas. 
Nascido para as pistas tácticas, é capaz de resolver satisfatoriamente os obstáculos compostos mais intrincados ou de técnica mais exigente, porque é curioso, bastante observador, confia na liderança e não se deixa vencer pela ansiedade. Grava sem maior dificuldade o modo de transposição dos obstáculos, podendo vir a executá-los de olhos vendados. Nos obstáculos de endurance sempre atinge a fasquia mais alta, resolvendo-os com segurança e naturalidade, como se eles fossem comuns e não exigissem concentração e rara precisão. Lembramos aqui o Pastor Negro de Theo Gygas, capa de algumas edições da obra “O CÃO EM NOSSA CASA”, e não nos podemos esquecer do Juby, um pastor alemão negro que aos 7 meses de idade já fazia, em liberdade, o arco do fogo e o muro de 1.80cm, sendo o único a ultrapassar um muro de 3m de altura, façanha que mais nenhum cão repetiu. E o que dizer do Warrior, que fazia os obstáculos do perímetro exterior com um halter metálico de 21kg na boca e que tinha uma força de impacto de 160kg? É impossível esquecer-nos do Boris, do Bravo, do Juby, do Klint, do Schwartz, do Tot e do War, entre tantos outros, todos eles pastores alemães negros, que enalteceram o nosso trabalho e dos quais sempre seremos devedores. 
Atendendo à excelência do pastor alemão negro, lamentavelmente recessivo para alguns, temendo pelo seu subaproveitamento, nunca aconselhámos como primeiro cão de alguém, um exemplar desta variedade. Ao invés, sempre remetemos os principiantes para a experiência prévia num da variedade dominante, para que mais tarde pudessem compreender a diferença entre o comum e o excepcional. Daqui felicitamos os novos criadores de Pastores Alemães Negros, oxalá continuem a sua selecção com base no impulso ao conhecimento (em quadro aberto) e escrevam novas páginas para o engrandecimento da variedade, para que mais tarde, depois do dever cumprido, possam dizer como Stephanitz: “O Pastor Alemão nasceu para trabalhar e nisso deve permanecer”. Mas afinal qual era o título e o tema deste texto? Ah, sim! Minha Senhora, durma descansada e sossegue o seu coração, se o seu cachorro pastor alemão negro não ladra, é porque está tudo bem e não se passa nada! Ele é naturalmente seguro e silencioso. Quando o ouvir ladrar, corra para ele, pode ser que precise de ajuda ou que a esteja a avisar de algo anómalo. Os Pastores Negros são assim, a maior parte do tempo nem damos por eles, apesar de estarem sempre ao nosso lado. Parabéns pela escolha e não se esqueça de a honrar, dando ao seu cachorro uma experiência feliz, variada e rica, apostada no seu bem-estar e no aproveitamento da parceria, pela cumplicidade possível entre homens e cães.

DO MAGREBE AO LESTE EUROPEU

Esta semana tivemos como novos leitores dois cidadãos da Argélia e outros tantos da Bielorrússia. Já é costume termos leitores do Leste e de vez em quanto bielorrussos. A novidade veio-nos da Argélia, porque pela primeira vez alcançámos leitores ali, gente do Magrebe que não costuma procurar-nos, apesar da proximidade que nos liga ao Mar que nos separa. Sejam bem vindos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

CÃO DE GUARDA: DISSUASÃO, POLICIAMENTO E CAPTURA

Um cão de guarda mede-se pela presença dissuasora, pela qualidade do policiamento e pelo êxito na captura, desde que se mostre quando necessário, ronde o perímetro confiado, detecte a presença de intrusos e alcance a sua imobilização. A presença disuasora exige um cão potente, veloz e bem apetrechado de mandíbula. O policiamento não dispensa o preparo físico e a capacitação para esse efeito. O êxito na captura sempre dependerá da celeridade na detecção que possilibilitará uma imobilização de surpresa, requisitos que não dispensam uma excelente máquina sensorial.
Como a guarda desportiva é apenas um simulacro das acções requeridas e encontradas por um cão guardião, discriminaremos seguidamente as características físicas e psicológicas, assim como o treino específico inerente a um bom cão de guarda, sabedores que mais vale aproveitar o potencial dos indivíduos do que optar por transformá-los. Por outro lado, importa desmentir a falsa idéia de que ao cão guardião mais vale morder do que obedecer e que a obediência por ser excessiva só o estraga. No nosso simples modo de apreciar, porque o cão irá trabalhar sozinho, o condicionamento terá que ser maior do que o sugerido noutras disciplinas cinotécnicas.
Características físicas e psicológicas. Peso entre os 32 e os 45 kg, altura entre os 58 e 70 cm, potente força de mordedura, dotado de excelente máquina sensorial, rectangular, bem aprumado, de ossatura forte, musculado, atlético e resistente, de média angulação de traseira e com pés de acordo com o piso a rondar (de gato para os pisos soltos e de lebre para os mais duros). A pelagem deverá facilitar a sua ocultação e encontrar-se de acordo com as temperaturas mensuráveis no local. Deve deslocar-se de cabeça levantada, possuir eixos longitudinais crânio-facais divergentes e não ter o focinho demasiado curto. Nas propriedades maiores exige-se um trotador e nas mais pequenas um galopador. Deverá ser célere nas transições dos andamentos naturais, ter em descanso entre 60 a 80 pulsações por minuto e uma velocidade instantânea nunca inferior aos 36 km/h.
Psicologicamente falando, deve pertencer ao grupo dos dominantes (preferencialmente ao dos muito-dominantes), ser resistente à dor, curioso, seguro, atento, observador e activo, com fortes impulsos ao movimento, à luta e ao poder, de propensão independente, combativo e com forte instinto de presa. Indiferente aos fenómenos naturais e com tendência para se emboscar, desinteressado por animais domésticos e pouco ou nada dado a subornos. Zeloso do seu líder e território, excursionista por natureza, ameaçador e tendencialmente noctívago.
Treino específico. Todo o treino deverá pressupor o aproveitamento da sua autonomia, que deverá ser regrada pela globalidade do currículo de obediência, para que a prontidão dos seus ataques resulte igual à sua cessação, equilibrando-se assim os automatismos de travamento com os direccionais e indutores. È obrigatório que recuse engodos de qualquer espécie e aprenda a rastejar. Deverá ser familiarizado com o fogo, treinado debaixo de intempéries e testado nas diferentes amplitudes térmicas, tanto de dia como de noite. É indispensável que atinja aproveitamento na contra-ordem, aprenda a evadir-se e a resgatar os seus. Os seus ataques deverão acontecer debaixo de tiro real e exactamente nos momentos de captura. Deverá aprender a desarmar o atirador e a evoluir desenfiado. Os ataques lançados deverão evoluir dos 30 para os 100m e a sua cessação acontecer com o dono na rectaguarda e à distância. Deseja-se que venha a ser capacitado nos ataques a vários golpes e que não cesse diante de alvos imóveis. Deverá aprender a rondar e a ocultar-se quando necessário, a afastar-se dos portões para ficar fora do raio de acção dos sprays e estar preparado para o contra-ataque.
 
É difícil ter e fazer um bom cão de guarda, os verdadeiros guardiões devem à genética 60% do seu potencial e apenas 2% dos cães, tanto os indicados como os aproveitados, virão a sê-lo de facto. Sobra a presença ostensiva e o seu poder disuasor, o que na maioria dos casos nos basta, considerando o tipo de larápios que temos e a frequência dos seus actos.

O CÃO TEM RAZÕES QUE A NOSSA RAZÃO DESCONHECE

O que torna os cães incompreendidos são as razões que lhes assistem, por força da humanização emprestada, a despeito da sua condição animal. Graças à ignorância, há quem espere deles o que não têm para dar, havendo outros que os interpretam para além daquilo que são. Entre o desejo e a subjectividade, muitos cães têm sido mal compreendidos, subaproveitados e também desprezados, por hábitos inculcados, ausência de condições, restrição social, supressão de liberdades e privação de rotinas. Invariavelmente e em simultâneo, o treino acaba por reatar o bom relacionamento com os donos e melhorar a instalação doméstica dos animais, pela abrangência dos códigos empregues e pela comunhão de vida, predicados que possibilitam a autêntica comunicação interespécies, veículo comum que dispensa e não se prende com adornos antropomórficos.

MÃOS DIVERGENTES E OBSTÁCULOS TIPO ALVO

Apesar de alguns dizerem que sim e o terem escrito, nenhum desporto canino contempla a globalidade dos cães, lacuna advinda do particular e especificidade presente em cada uma das raças. Um cão de mãos divergentes pode ser o ideal para ir às tocas, mas jamais será próprio para a transposição de  obstáculos, porque necessita de parar para fazer a chamada e as suas mãos, mercê do deficiente assentamento ortopédico, não lhe possibilitam um salto convexo, centrado e instantâneo. Nas comuns barreiras verticais, o problema é pouco visível, muito embora se assista à delonga do “pára, arranca”, quando dispostas em sequência. É na transposição de obstáculos tipo alvo que a dificuldade se torna mais evidente (pórtico latino, pneu, bóia, tambor, arco e arco do fogo), porque estes animais côncavos dificilmente os ultrapassarão e quando o intentarem, correrão sérios riscos de lesão, pelo que deverão ser dispensados deste tipo de obstáculos.
Os cães pernaltos, devido ao peito inadequadamente estreito, podem apresentar o mesmo tipo de aprumos dianteiros e igual dificuldade, já que grande nem sempre é sinónimo de versátil. O peito estreito, o abatimento de metacarpos e as mãos divergentes, quando associados, são um legado genético indutor a várias menos valias físicas. Antes de comprar um cachorro, repare nos aprumos dos seus progenitores, para diminuir os riscos de adquirir um animal menos válido. Qualquer um dos defeitos morfológicos apontados, pode ser suavizado e nalguns casos ultrapassado, se aproveitarmos a fase plástica dos cachorros e os convidarmos para a prática de aparelhos e exercícios correctores. Se outra razão não houvesse para justificar o treino aos 4 meses de idade, por certo esta nos bastaria. Mas como nem sempre isso é possível, proteja os cães que apresentam divergência de mãos, livrando-os dos obstáculos que os podem comprometer.

O MEU CÃO TOIRO por Sancha Costa Lobo

O texto que se segue, na verdade uma composição, é da autoria de uma menina de oito anos de idade, que começou a treinar o seu cão há dois anos atrás, um companheiro que a adora e que recebe dela toda a atenção e carinho, um robusto e pacífico labrador que é seu confidente e que a acompanha para todo o lado. Vale a pena “dar voz” às crianças, para melhor compreendermos o seu mundo e consentir que alegrem o nosso, tornando-o mais justo e fraterno. Esta publicação prende-se com a temática da semana: o uso terapêutico canino.
O meu cão Toiro é um cão muito mansinho e é o cão da família. Eu acho-o muito querido, mesmo quando o repreendemos, ele continua a gostar muito de nós. É com ele que eu participo nas aulas dos cães, ele é um cão maravilhoso, mas tem problemas de coração. È pena ele ser assim, ter este problema, mas cada cão é como é!
Eu e o Toiro fizemos uma grande amizade, conheci-o com dois anos e meio, infelizmente só passou cinco dias com o meu pai. O meu pai Albano já morreu há seis anos, mas agora tenho um amigo que é como um pai para mim. Ele exige muito de mim porque quer que eu seja a melhor.
Sempre que posso, vou para junto do Toiro, porque ele passa a maior parte dos dias sozinho e triste. Gostava que ele tivesse todos os dias um pouco mais de atenção de todos nós. Se eu o pudesse passear todos os dias, depois de terminar os trabalhos de casa, acho que ele ia gostar. Mas sei que por enquanto isso não vai acontecer, porque eu ainda não tenho força para o segurar, mas um dia irei conseguir!

DE ANGOLA QUE “JÁ FOI NOSSA” À UCRÂNIA AQUI TÃO PERTO

Nesta última semana o número de leitores angolanos tem aumentado, o mesmo sucedendo com os macaenses, malaios e ucranianos. Os angolanos sempre nos procuraram e os ucranianos também (ainda que em menor número). Saudamos com alegria os nossos leitores de Macau e da Malásia, os primeiros porque os sentimos perto e os segundos pela novidade.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

UM AMIGO CHAMADO CHEYENNE

Por norma não publicamos relatos ou histórias alheias, abominamos o plágio e não gostamos de publicar artigos sem saber a sua origem. O artigo que publicaremos a seguir chegou-nos através de um amigo, um companheiro do Campus e de carteira na Escola Superior de Teologia do então Instituto Concódia de São Paulo (IELB), estando hoje, ao que tudo indica, colocado como Pastor-Missionário num país fronteiriço com o Brasil. O texto chegou-nos em castelhano, muito embora se anteveja a sua origem norte-americana. Na impossibilidade de o traduzirmos do original, o que o tornaria mais fidedigno e gratificante para nós, ousámos traduzi-lo da sua versão castelhana: “Un padre, una hija y un perro”, tendo o cuidado de menos o desvirtuar e de lhe manter as enfases, certos da sua actualidade e importância, enquanto relato que expõe uma das mais-valias da terapia canina. Oxalá o tenhamos conseguido, seja ele elucidante e do agrado de todos.
“Cuidado! Quase bateste no carro ao teu lado. Porque será que não fazes nada bem feito?” Olhei para ele e de imediato não lhe disse nada, aquelas palavras magoaram-me imenso, mais do que me houvesse dado uma bofetada. Depois fitei-o, estava sentado ao meu lado, pronto a desafiar-me e à espera de resposta. Senti um nó na garganta e desviei o olhar, porque não queria alimentar e não aguentava mais discussões. “Eu vi o carro, Pai. Por favor, não grite comigo quando estou a conduzir”- disse-lhe comedida e calmamente, com uma calma que verdadeiramente não sentia. Ele olhou para mim, virou a cabeça e permaneceu em silêncio o resto da viagem. Já em casa, abandonei o televisor e saí para ordenar os meus pensamentos e reflectir. Ressoou um trovão distante como se a minha agitação interna nele ecoasse. Uma dúvida me atormentava: como deveria proceder com o meu pai?
Ele tinha sido lenhador nos Estados de Washington e Oregon. Estava acostumado a viver ao ar livre e em contacto com a natureza e gostava de medir foças com ela. Entrou em várias competições extenuantes para lenhadores e ganhou muitas delas. As prateleiras da sua casa estavam cheias de troféus que provavam a sua capacidade. Entretanto os anos passaram implacáveis. A primeira vez que não conseguiu levantar um pesado tronco, fez disso uma piada, mas em seguida, no mesmo dia, vi-o lá fora sozinho a tentar levantá-lo. Ficava irritado quando alguém brincava com facto de estar a ficar velho ou quando não era capaz de fazer algo que em jovem fazia. Quatro dias antes dos seus sessenta e sete anos de idade, teve um ataque cardíaco. Foi levado para o hospital de ambulância, enquanto um paramédico tratava da ressuscitação dos seus ritmos vitais. No hospital foi levado para as urgências, teve sorte e sobreviveu. No entanto algo dentro dele havia morrido: o seu entusiasmo pela vida havia desaparecido. Negava-se obstinadamente a cumprir as ordens do médico, rejeitando com sarcasmos e insultos as sugestões e ofertas de ajuda. O número dos seus visitantes diminuiu e finalmente ficou só.
Eu e o meu Marido Dick convidámo-lo para vir viver connosco na nossa granja, esperando que a vida no campo o fizesse ganhar alento. Uma semana depois lamentámos o convite, porque nada lhe parecia bem e criticava tudo aquilo que eu fazia. Senti-me frustrada e deprimida, acabando por descarregar a minha raiva no meu marido. Alarmado, Dick procurou o Pastor e explicou-lhe a situação. Ele deus-nos algumas orientações e conselhos. No final de cada consulta, ele orava, pedindo a Deus para acalmar a mente perturbada do meu pai. Mas os meses passaram e Deus ficou em silêncio, pelo menos podia dizer-me o que fazer.
No dia seguinte à última consulta pastoral, sentei-me com a lista dos telefones á frente e liguei para cada um dos hospitais psiquiátricos que nela se encontravam. Expliquei o meu problema para todas as vozes simpáticas que me atenderam. Quando já estava a perder a esperança, uma dessas vozes amigas de repente exclamou: “ Acabei de ler algo que a pode ajudar, deixe-me ir buscar o artigo…”. Ouvi tudo o que ela lia. O artigo descrevia um estudo surpreendente feito numa clínica geriátrica. Nele se dizia que todos os idosos tratados contra a depressão crónica melhoraram excepcionalmente o seu comportamento, quando lhes foi dada a responsabilidade de cuidarem dum cão.
Fui à cidade para ver os cães destinados à adopção. Depois de preencher um formulário, fui levada por um funcionário fardado até às boxes onde se encontravam os animais. O cheiro a desinfectante encheu-me o nariz quando entrei nos corredores repletos de canis. Cada um continha de 5 a 7 cães. Havia-os de pelo comprido, encaracolado, negros e outros que pulavam, tentando alcançar-me. Observei meticulasomente cada um deles, mas nenhum me agradou, por serem grandes ou pequenos, ou por terem demasiado pêlo e  assim por diante. Quando cheguei à última box, deparei-me com um Pointer que se levantou com alguma dificuldade, veio na minha direcção e sentou-se. Aquele cão pertencia a uma das raças mais aristocráticas do mundo canino, apesar da sua apresentação parecer uma caricatura dela. Os anos tinham-lhe mesclado o focinho e a cabeça de cinzento, os ossos dos seus quadris sobressaíam da sua pele como triângulos irregulares. Mas foram os seus olhos que me chamaram à atenção, calmos e límpidos, olhando fixamente para mim.
O que me diz deste? O funcionário intrigado, olhou para o cão e abanou a cabeça. “Ele é um pouco estranho. Apareceu não se sabe donde e sentou-se junto ao nosso portão da frente. Deixámo-lo entrar na esperança de que alguém o viesse reclamar. Já lá vão duas semanas e ninguém veio reclamá-lo. O seu tempo acaba amanhã”, disse ele como se não houvesse mais nada a fazer. À medida que aquelas palavras entravam na minha cabeça, virei-me para o homem horrorizada e perguntei-lhe: “Está dizer que vai ser morto? Baixando a voz, ele respondeu-me: “Minha Senhora, são as regras. Não há lugar para todos os cães não reclamados”. Olhei para o Pointer mais uma vez. Os seus calmos olhos castanhos aguardavam a minha decisão. “Vou levá-lo”, disse-lhe eu, conduzindo depois até casa, com o cão sentado no banco dianteiro ao lado do meu.
Ao chegar a casa, toquei a buzina duas vezes e quando ajudava o cão a descer, apareceu o meu pai na varanda da frente. “Olha o que eu te troiuxe, Papá!”, disse-lhe entusiasmada. O meu pai olhou para o cão e pôs uma cara de desgosto, retorquindo: “ Se eu quisesse um cão, já o teria ido buscar e escolheria um bem melhor do que esse saco de ossos. Fica tu com ele, eu não o quero”, agitando o seu braço com desdém e dirigindo-se para casa. A raiva cresceu dentro de mim, os músculos da minha garganta apertaram-se e senti o pulsar do meu coração nas têmporas. “É melhor que te acostumes com ele, Papá, porque ele vai ficar connosco! “ Ele pura e simplemente me ignorou. “Ouviste o que te disse, Papá?  Gritei-lhe. Ao ouvir estas palavras, ele ficou danado, apertou as mãos uma contra a outra e fechou-as, enquanto os seus olhos transbordavam ódio.
Ficámos parados a olhar um para o outro, fixamente como dois duelistas, quando de repente, o Pointer me escapou da mão, e mancando, se acercou do meu pai, sentando-se na sua frente. Então, devagar e com muito cuidado, levantou a sua pata dianteira. A mandíbula do meu pai tremeu ao reparar naquela pata levantada, a confusão substituiu a ira presente nos seus olhos, enquanto o Pointer esperava pacientemente. O meu pai depressa se ajoelhou, abraçando o animal. Foi o princípio de uma forte e intíma amizade. Pôs-lhe o nome de Cheyenne e juntos exploraram as redondezas, passando longas horas a caminhar por trilhos empoeirados, a pescar saborosas trutas nas margens dos rios, usufruindo assim de longos momentos de reflexão. Até para a igreja iam juntos, meu pai sentado num banco e o Cheyenne deitado silencioso a seus pés. Tornaram-se inseparáveis nos três anos seguintes, a amargura do meu pai desapareceu e os dois fizeram muitos amigos.
Então, numa noite, já bem tarde, estranhei sentir o nariz frio de Cheyenne, revolvendo os nossos cobertores. Ele nunca tinha entrado no nosso quarto à noite. Acordei o Dick, coloquei o meu robe e corri para o quarto do meu pai. Ele estava na sua cama com a face serena, mas o seu espírito já havia partido silenciosamente, nalgum momento durante a noite. Dois dias mais tarde, a minha dor foi ainda mais profunda, quando descobri o Cheyenne estendido e morto, junto à cama do meu pai. Envolvi o seu corpo no tapete sobre o qual sempre dormiu. Enquanto eu e o Dick o enterrávamos, perto do seu lugar favorito de pesca, agradeci-lhe pela ajuda que me havia dado, por ter devolvido a paz e a tranquilidade ao meu pai.
A manhã do funeral do meu pai, amanheceu nublada e sombria. O dia estava como eu me sentia, pensei, enquanto caminhava em direcção à fila dos bancos destinados á família. Fiquei surpreendida por ver a quantidade de amigos que o meu pai e o Cheyenne tinham feito. O Pastor começou o elogio do falecido. Foi um tributo a meu pai e ao cão que havia transformado a sua vida. Depois o Pastor citou Hebreus 13.2: “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque através dela alguns, não o sabendo, hospedaram anjos”. “Muitas vezes agradeci a Deus por me ter enviado um anjo”, disse. Então percebi como tudo se encaixava, completando as peças dum puzzle que eu não havia concluído: aquela amável e simpática voz que me leu o artigo sobre a clínica geriátrica. A inesperada aparição do Cheyenne no lugar dos cães para adopção. A sua calma aceitação e completa devoção ao meu pai, e a proximidade das suas mortes. E de repente compreendi, dei-me conta que, certamente, Deus ouviu as minhas orações que pediam a Sua ajuda.
A vida é muito curta para se fazer dela um drama: Ri com força. Ama com sinceridade e perdoa rapidamente. Vive enquanto estás vivo. Perdoa agora, àqueles que te fazem chorar. Ninguém sabe se terás uma segunda oportunidade. Deus responde às nossas orações segundo o Seu propósito… Não à nossa maneira.


terça-feira, 1 de outubro de 2013

UMA SEMANA PARA DEIXAR DE LADRAR

Quando a sobrevivência se torna imperativa, tudo aquilo que a dificulta se transforma em traste, assim tem acontecido a muitos cães neste momento de crise e contenção que ninguém poupa e a todos aflige. Todos sabemos que a miséria nunca chega só, que para além de fazer vítimas, sempre procura um ou mais bodes expiatórios, para aliviar de alguma forma aqueles que atinge, porque ninguém gosta de “ficar com elas” (com as ofensas) e todos precisamos de descarregar. Com a penúria no horizonte, subvertem-se velhos valores e criam-se novos princípios, desprezam-se parâmetros e adoptam-se outras posturas, porque o tempo é de guerra e ninguém sabe como acordará amanhã (que o digam os desempregados com mais de 45 anos de idade, novos demais para a reforma e considerados velhos para trabalhar, que nem ousam dizer o que lhes passa pela cabeça). A luta por “um lugar ao sol” exalta os ânimos e a fricção estala entre vizinhos, de algum modo concorrentes uns dos outros e à mão para a refrega (se a Polícia acorresse a todas as solicitações, não lhe sobraria tempo nem agentes).
Um vizinho dum proprietário canino, que não se sabe quem, porque a canalhice nunca foi tão anónima, decidiu queixar-se da cadela desse indivíduo, argumentando que o animal passa os dias a ladrar e que não o deixar descansar, a si e aos seus. A polícia foi chamada e deixou um ultimato ao dono: “O Senhor tem uma semana para que a cadela deixe de ladar. Após esse período seremos obrigados a cumprir com os procedimentos e disposições em vigor!” Perante o que foi dito, não sabemos se foi apresentada uma queixa formal e também ignoramos da sua necessidade processual, muito embora o possamos saber e devamos, já que a ignorância da Lei está longe de ser um factor atenuante (todos somos obrigados a conhecer as leis que nos regem). Logo, logo o saberemos! Pelo mesmo incómodo passou uma ex-aluna nossa, uma jovem a viver sozinha, proprietária de dois cães e com os vizinhos do andar de baixo “à perna” (foram bater-lhe à porta várias vezes), que se queixavam do roçar das unhas dos cães no soalho, tendo também eles cães e por sinal bastante barulhentos. No dia em que ao barulho das unhas dos cães se juntou o troar dos tacões dum homem, a harmonia voltou e as queixas cessaram.
Para melhor se compreender o problema da cadela visada, uma Pastora Alemã de 4 anos de idade, descreveremos em seguida o seu viver até à presente data, algumas das suas características e aquilo que nos foi dado a observar. Estamos a falar de uma cadela grande, de pouca envergadura, logo pernalta, magra de apresentação e com o pêlo queimado, excepcionalmente atenta, desencantada pela trela e amiga dos seus donos, hoje confinada a uma varanda e entregue a si própria, oriunda duma quinta onde até há pouco tempo vivia com a sua família de adopção, mudando-se com ela para o apartamento onde agora se encontra. Apesar de não ter sido sujeita a qualquer tipo de ensino, aprendeu pela convivência as regras que lhe foram estipuladas, mantendo-se fiel e de alguma forma protectora. Inserida num agregado familiar constituído por um casal e dois filhos, sendo que um deles trabalha e o outro ainda não atingiu a puberdade. O pai, um homem dos seus cinquenta bem pesados, recém sofreu um acidente cardiovascular e a mãe denota uma disponibilidade física também condicionada, não obstante todos adoram o animal, o que não implica que sistematicamente levem amiúde a cadela à rua e a passeiem pelo tempo desejável, já que as suas características morfológicas obstam de alguma forma para que isso aconteça, sendo ainda agravadas por questões ligadas à saúde duns e aos afazeres profissionais de outros. Mercê da pressão dos vizinhos, que tudo indica ser sufocante, apesar do apego à cadela, os donos ponderaram o seu descarte, desejando oferecê-la a quem cuidasse bem dela, desejo que ainda não cumpriram.
No nosso entender, o latir da cadela, aqui mal entendido como ladrar, deve-se à alteração da sua vida social e à troca forçada de território, factores ligados à ausência dos líderes e ao sentimento territorial presente na maioria dos cães. O confinamento na varanda agrava substancialmente a situação, porque impossibilita o contacto com os donos, deixando o animal entregue a si próprio, exposto e vulnerável, num território exíguo, desprotegido, desconfortável e estranho para a cadela, isto se ali passar a maior parte do tempo. O latir do animal espelha a sua infelicidade e descontentamento - a sua má sorte, porque a sua adaptação não é automática e não irá acontecer sem a ajuda dos donos, mercê da alteração das  rotinas e perante tamanha novidade. Estamos em crer que a dita varanda é por demais ensolarada ou a dieta da cadela tem sido muito pobre (magra). Pode ser que as duas condições se conjuguem, uma vez que o animal apresenta o manto avermelhado apesar de ser de coloração negra uniforme. Observámos a cadela 3 dias e 2 noites, sujeitámo-la a dormir com um dos donos numa tenda e não lhe ouvimos qualquer pedido de súplica ou manifestação de descontentamento, somente vimos que trazia fome e que não hesitava em ir aos caixotes do lixo (vimo-la comer 1 kg de ração, ir roubar ossos de frango e ainda lutar pela posse do suplemento vitamínico). De extraordinário a relatar, só a ausência de sociabilização com os outros cães, manifesta em vários ataques à dentada e sem pré-aviso, o que não causa estranheza atendendo ao seu isolamento anterior na quinta.
Sensíveis ao problema da cadela e ao drama dos donos, até porque instámos com eles para que não se desfizessem do animal, o que a acontecer não lhe traria maior felicidade ou sorte (muito pelo contrário), adiantámos para eles as seguintes medidas que agora dividimos com os nossos leitores, foram elas: o treino da cadela, a alteração da sua instalação doméstica, a prática de passeios com maior duração, formação do espólio do animal e a fixação de novas rotinas familiares, procedimentos que no nosso entender produzirão a alteração necessária para a melhor integração do animal, que irão contribuir para que deixe de latir, se sinta feliz e bem instalada.
Aconselhámos o treino da cadela porque não apresenta dificuldades de aprendizagem e ainda é relativamente nova, para o operar da sua sociabilização e substituir a autonomia silvestre que patenteia pela cativação à liderança. Sugerimos a alteração da sua instalação doméstica para que não se sinta só e passe a maior parte do tempo junto à família, indo somente para a varanda quando quiser ou se tornar imperativo. Recomendámos passeios mais longos e com maior duração para diminuir o fardo do encarceramento e tornar assim mais desejável o seu reduto, enquanto abrigo e local de observação e descanso. Propusemos a criação de um espólio para o animal como meio para se sentir feliz, vendo-se desse modo rodeada de objectos da sua eleição que funcionarão como troféus. Apelámos à fixação de novas rotinas familiares para que os horários da cadela venham a ser respeitados e as rotinas familiares se transformem de fácil leitura para ela, o que facilitará a sua aceitação mercê da experiência que induz ao condicionamento.
Não dissemos, mas podíamos ter dito e não nos acanhamos: a maneira mais rápida para fixar uma fêmea adulta num local, quando tal fôr possível e daí não resulte maior transtorno, é a de fazer que ali tenha uma ninhada, pois o instinto maternal e o impulso à defesa facilitarão a sua adopção, desde que ele apresente o mínimo de condições (o bem-estar da mãe, a proximidade do alimento, a ocultação dos cachorros  e por aí adiante). Não duvidamos que o problema será solucionado, mesmo desprezando esta última opção, que é extremada, desde que os donos observem e ponham em prática o que atrás dissemos. Oxalá assim procedam!