terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A HISTÓRIA DO SARGENTO ROGER


Sempre nos perguntam qual o cão ou raça da nossa preferência, se houve algum cujas façanhas não esquecemos e que ainda guardamos com saudade no nosso coração. É natural que pensem, pelo tanto que queremos e admiramos a raça, que seja o Cão de Pastor Alemão o nosso eleito e nisso não se enganam. Contudo, em termos individuais, vem-nos à memória o cão mais extraordinário que alguma vez tivemos: o Roger, um Rottweiler mais tarde alcunhado por “Sargento”, que nos foi oferecido com 1 ano de idade. Por respeito ao seu canil de origem, por sinal bastante afamado, não iremos aqui mencionar o seu nome nem tão pouco o número de registo no LOP, porque não queremos deitar achas para a fogueira num País onde todos tropeçam uns nos outros, talvez por sermos poucos.
O Roger não era um Rottweiler de encher o olho, era até pequeno para a raça, mas o que lhe faltava de apresentação, sobrava-lhe em carácter, força e valentia. Ficámos com ele para evitar que fosse abatido, já que o seu dono, um brasileiro com uma pizzaria lá para os lados da IC19, havia colocado o destino do cão nesses termos, depois do Roger ter atacado o infante lá de casa. Quando o cão nos foi entregue, avisaram-nos que ele detestava duas coisas: tomar banho e que lhe fizessem festas na barriga. Desprezando tal aviso, no mesmo dia, porque a reeducação tardava, fui fazer-lhe festas onde detestava, acabando por levar 18 pontos na mão esquerda, episódio que não me deixou ressentido e me fez interessar mais ainda pelo cão. Pouco a pouco, em grande parte pela cumplicidade e pela comunhão de vida, o cão foi aceitando a nova liderança e começou a revelar-se um companheiro de valor inestimável.
Certo dia, ainda com poucos dias de casa, num passeio pelo pinhal, sem que ninguém lhe tenha dado ordem para isso, começou a abocanhar pinhas e a colocá-las num monte. A pessoa que me acompanhava admirou-se do facto e tirou uma das pinhas amontoadas, acção que desagradou ao cão, que de imediato a jogou ao chão, recuperando e transportando a pinha para onde a havia deixado. A extraordinária territorialidade que revelava, ao ser convenientemente aproveitada, depois da liderança ter sido aceite, possibilitou o uso do cão muito para além do esperado.
Tinha por hábito, já com o cão condicionado nisso, no intervalo das nossas caminhadas, ir comer uma sandwich ricamente aviada a uma tasca da zona. De propósito, efectuava o pagamento com uma nota para receber o troco em moedas. Se por acaso o dono da tasca não me desse o troco, e experimentámos isso algumas vezes, o cão saltava para cima do balcão, encostava-o à parede e não o largava até que me devolvesse o que era meu. Certa vez, por ocasião dumas festas populares num lugarejo, porque o cão já se encontrava sociabilizado e extremamente obediente, um conhecido meu, já com os copos, diz-me: “Oh pá! Leva daqui o babalú. Ainda se isso fosse um cão a sério! “. Associei-me à brincadeira e dei o comando de “retrassa” ao Roger, que ao agarrar e sacudir o banco corrido, pregou com seis convivas no chão, terminando assim, apressadamente, com a sua gula por sardinhas assadas
Troquei de instalações no alto do Verão, a temperatura rondava os 35º graus centígrados e eu andava a espetar paus de madeira tratada com 2.5m de altura e a esticar rede que ainda hoje perdura. O cão acusava o calor e deitava-se ao meu lado. Sozinho e sem qualquer tipo de ajuda dizia para mim mesmo: “como seria bom se alguém aparecesse para me ajudar”. E não é que apareceu! Vindo do nada, chega-me um rapazola dos seus dezoito anos, disposto a ajudar-me (hoje terá 35). Acertámos em dividir o trabalho e a ele só caberia o transporte dos paus arrumados por detrás do barracão. Assim que ele foi buscar o primeiro, e ainda vinha a meio caminho, o Roger correu para ele e atirou-o ao chão, abocanhou-lhe o pau e levou-o de volta, exactamente para o mesmo sítio onde antes se encontrava, apesar do peso e do mau jeito. É evidente que o meu pedido de desculpas não evitou a perca súbita do tão desejado ajudante.
Se o particular cognitivo do cão era razão de espanto, a sua capacidade atlética não lhe ficava atrás, pois passava os dias a nadar dentro da piscina destinada aos cães, saindo de marcha atrás para não escorregar e a acartar um maço de bater calçada, que exibia amiúde, confiante e alegre. Ganhou o nome de sargento à conta da frase de um aluno nosso: “O que escapa ao chefe, não se escapa ao sargento!”, porque quando algum cão se escapava ou abandonava qualquer figura de imobilização, dentro do círculo de instrução, o Roger ia buscá-lo e rebocava-o pela trela até à pessoa do instrutor.
Infelizmente durou pouco e teve uma morte estúpida, causando-nos um desgosto que ainda hoje perdura.

No final do Verão de 95, quando nos encontrávamos a delimitar a pista de Agility, estranhamente, o Roger desapareceu sem deixar rasto. Durante uma semana efectuamos buscas no intuito de o encontrar, infelizmente sem sucesso. Dez dias depois, um dos nossos vizinhos diz-nos: “Está ali um cão grande afogado no meu poço, calculo eu que deve ser vosso!”. Calculámos logo quem fosse e as nossas  suspeitas estavam certas, era o Roger que ali jazia, inchado e inerte, bem diferente do que fora e acabado para sempre. Morreu a 100 metros de nós, num poço que desconhecíamos, encoberto por silvas e sem muros, a nadar até à exaustão, aflito e incapaz de pedir socorro. Espero que haja um céu para os cães, e se houver, eu sei que à entrada dele, a receber os recém-chegados, estará lá o meu sargento a dar-lhes as boas vindas.

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