A questão levantada remete-nos para a
reeducação, área ou disciplina do adestramento que procura, consoante os casos,
o controlo (refreamento), o aumento da autonomia individual canina e a
alteração de códigos (descodificação e recodificação, muitas vezes mal
interpretadas como desprogramação), para solucionar problemas relativos à
sociabilização dos cães (natos ou inatos) e operar a sua recuperação. Na
verdade é mais fácil transformar um leão num cordeiro do que o inverso, porque
todos os animais têm um limite para a resistência e normalmente optam pela
sobrevivência. A somar a isto, a domesticação operada há milhares de anos e a
consequente selecção humana vêm em nosso auxílio, já que o independente lobo
silvestre acabou transformado no dependente lobo familiar - em cão.
A descodificação de um cão muito
agressivo obriga à descoberta das causas desse comportamento, se genéticas,
ambientais ou resultantes da combinação entre ambas, assim como dos meios e
graus usados para a sua potenciação e posterior aproveitamento. Dificilmente um
cão excursionista (caçador) desenvolverá um comportamento assim, muito embora
possa canalizar a sua agressividade para outros alvos com igual intensidade e
dolo (para outros cães e para outros animais). Este comportamento, entendido
agora como marginal, que nunca deixou de ser fratricida, é mais frequente e de
piores repercussões nos cães territoriais, nomeadamente nos lupinos e molossos
de médio e grande porte, puros ou híbridos.
A recuperação destes cães, que deverá
acontecer longe da presença dos donos (para lhes enfraquecer a resistência e
não lhes servir de pretexto para o ataque), não irá dispensar a troca de
rotinas e de territórios, a alternância de horários laborais, da distribuição
da comida e dos locais de pernoita ou descanso, estratégias que visam diminuir
a sua autonomia e aumentar a sua dependência, condições que gradualmente
contribuirão para aceitação e supremacia da liderança. Uma vez aceite a nova
liderança, primeiro passo para a descodificação, é chegada a hora da
recodificação, altura em que recriaremos os simulacros que despoletavam o
comportamento a eliminar, dando-lhes outro final pelo concurso da inibição e da
recompensa.
O sucesso na reeducação, para além
doutros factores ou condições, sempre dependerá do perfil psicológico do
reeducador, pessoa que não deverá temer a desgraça e que se escudará no apego
aos procedimentos, evitando assim todos os atropelos e improvisos passíveis de
causar desventuras, a si e aos outros. Cada reeducador terá o seu timing
próprio e nisto não deverá ser forçado, porque a sua vulnerabilidade em nada
ajudaria à recuperação dos cães ao seu encargo.
Ainda que isso não passe pela cabeça
da maioria das pessoas, os cães medrosos também precisam de reeducação, de
abandonar os temores com que nasceram e alcançar a autonomia condicionada que
os tornará mais fortes, sociáveis e mais confiantes, mercê da filiação
extraordinária que os liga à liderança e que se espraia pelos códigos que
melhor garantem a comunicação interespécies. Jamais serão leões, mas deverão
viver sem medo de encontrar um em cada esquina.
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