Certo dia, por acaso ao cair da noite,
lá para as bandas do Ribatejo, em conversa com um reputado zootécnico e
ex-responsável por uma coudelaria de renome entre nós, a propósito da
transmissão genética e da importância dos padreadores, ouvi-lhe a seguinte
exclamação: “Em termos de transmissão genética, mais do que nos cavalos, é nas
éguas que assenta o sucesso duma coudelaria. E eu demorei alguns anos para
perceber isso!” Também nós até então havíamos enveredado pelo mesmo rosário,
numa época em que os computadores ainda não se encontravam acessíveis,
registando à mão o produto de 25 machos e igual número de fêmeas, quando
cruzados entre si, visando o melhor dos beneficiamentos, tendo como objectivo a
excelência do cão de trabalho. Acabámos por descobrir a mesma verdade, graças
ao empirismo e sujeitos ao dispêndio e à delonga que ele não dispensa.
Desse tempo lembramos a contribuição
de duas cadelas, completamente díspares, de diferentes variedades cromáticas e
de préstimo diverso: a paraquedista e a lobeira, ambas há muito arredadas do
nosso pensamento, o que espelha a nossa ingratidão face ao muito que lhe
devemos (nem sequer nos lembramos do seu nome se não consultarmos os registos).
A lobeira era uma cadela pouco vistosa, extremamente interactiva e uma mãe
zelosa. Gerava ninhadas numerosas e normalmente servia de ama de leite para
outros cachorros, chegando a amamentar 15 em diversas ocasiões. Os seus filhos
eram por norma fáceis de ensinar, grandes atletas e de bom trato, com um alto
coeficiente de aprendizagem e de uma disponibilidade extraordinária. Lembramos
aqui o Jazz Die Morgenglantz, seu neto e herói de uma série policial
televisiva, que era filho da Nail d’Acendura Brava e do Lobo. Ela foi a nossa
“carregadora de piano” e muitos dos nossos garbosos cachorros foram salvos por
ela.
A paraquedista, como o próprio nome
sugere, era uma cadela oriunda das antigas linhas dos paraquedistas (do final
da década de 50), preta-afogueada, de grande porte, extremamente activa e
belicosa, que tinha como particularidade a selecção dos seus filhotes,
desprezando e comendo aqueles que não lhe agradavam (entre o 4º e 5º dia).
Normalmente seleccionava 4 cachorros no máximo e desses cuidava e protegia como
poucas mães o fariam. Mas se do ponto de vista económico era uma lástima, em
termos de transmissão genética era excelente, porque gerava cães poderosos e
valentes, daqueles que enchiam, enchem e continuarão a encher o olho de quem
procura guardiões sérios e decididos. Como o número de valentes que gerou não
se esgota facilmente, não os enumeraremos aqui, pois não queremos que ninguém
se sinta menosprezado pelo esquecimento do seu cão. Fartos do canibalismo ou do
excesso de zelo da cadela, e já conhecedores dos seus hábitos, por várias
vezes, resgatámos cachorros seus e entregamo-los à lobeira para os acabar de
criar. E não é que a paraquedista tinha razão?! Os filhotes resgatados vieram a
revelar-se de fraco préstimo e distantes da qualidade dos eleitos pela
matriarca. Depois das tentativas frustradas, aceitámos a nossa sorte e
confiámos na cadela. Às costas da lobeira e da paraquedista erigimos um canil e
prestamos-lhes aqui a nossa homenagem, ainda que tardia por ser a título
póstumo. Mas elas continuam por aí, talvez num cachorro Pastor Alemão a passear
no jardim perto da nossa casa.
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