segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Cão na meia-idade (dos 6 aos 8 anos)


Na Europa, entre os 6 e os 8 anos de idade, os cães eram dispensados das companhias cinotécnicas e abatidos ao regimento. Ainda que a maioria deles saísse estafada, mercê do serviço efectuado, alguns mantinham os seus índices atléticos, continuavam activos e fecundos, constituindo-se em patriarcas. Hoje, porque o serviço é mais leve, o dinheiro parece escassear e as prioridades são outras, é comum ver-se, nas unidades militares, cães para além da meia-idade no activo, geralmente engalanados em canis e raramente escalados para o serviço, aparecendo esporadicamente em festivais, tal qual Eusébio de águia ao peito. As outrora gloriosas pistas tácticas estão hoje vazias e descuidadas, lembrando acampamentos da Legião Francesa enterrados nalgum deserto magrebino. Apesar de poucas, ainda bem que há excepções!
Por razões óbvias, os cães civis sempre duraram mais, mantendo a qualidade e aumentando a sua esperança de vida. Apostados neste mesmo propósito, identificaremos aqui a problemática etária e adiantaremos subsídios para que a longevidade canina aconteça. Num mundo onde ninguém quer pagar a factura da medicina preventiva, porque não dá lucro, não nos coibimos de adiantar medidas cautelares para que o bem-estar canino perdure e a sua dignidade se mantenha. Não obstante serem finitos, homens e cães não morrem de velhice, mas sim de doença, de insuficiências e incapacidades que podem ser minoradas e relegadas para mais tarde.

Em média, os rafeiros duram mais que os cães de raça, os mais pequenos sobrevivem aos maiores e os mais pesados vêem encurtados os seus dias. Os castrados envelhecem precocemente, a tipicidade dalguns é-lhes fatal e as diferentes raças têm doenças próprias. A excessiva homozigose está a colocar os cães em risco, o número de cães domésticos não cessa de aumentar e qualquer um pode ser seu proprietário, para além do conhecimento exigível e das condições inerentes. Genética e ambiente estão a atentar contra a longevidade canina, assim como a ignorância e o desrespeito, porque o especicismo veio para ficar e cada qual é dono do seu nariz!
Não é preciso muito esforço para o homem entender o cão à sua imagem, porque o animal tende a reproduzir comportamentos idênticos aos que lhe são próximos. Existe inclusive, uma transferência física e anímica do dono para o cão, resultante da convivência comum e da mímica empregue, porque o animal tudo observa e procura a aceitação. Como multiusos que é, o cão sempre denunciará o seu mestre oficinal, o seu modo de vida, anseios e propósitos, encontrando-se cativo àquilo que recebeu. Isto parece um pouco estranho, mas quem ensinou os cães vadios a atravessar na passadeira para peões?

Desta maneira, tanto o seu enriquecimento cognitivo quanto o seu robustecimento físico, encontram-se dependentes das acções do líder, das regras estabelecidas que se transformam em hábitos enraizados, porque não lhe restando outra opção válida para a sobrevivência, o cão agarra-se desesperado à doutrina do follow me. Debaixo desta condição, tanto podemos provocar o envelhecimento canino como atrasá-lo, porque somos simultaneamente o seu deus e anjo da guarda. Podemos ser outras coisas, mas o uso da razão sempre as desprezará.

O cão na meia-idade perde fulgor e resguarda-se, resiste aos novos desafios e procura a auto satisfação, tenta agradar sem ser incomodado e reclama pelo seu estatuto: torna-se mais sério e menos brincalhão. As possíveis menos valias físicas são acompanhadas por alguma inércia cognitiva e a cumplicidade sofre alterações, porque o acompanhamento tende a substituir a participação. Nesta fase da vida, porque está maduro e a experiência não o engana, é difícil ludibriá-lo, parece que adivinha os nossos pensamentos ou que estabelece connosco uma relação telepática. Se nada fizermos para alterar a situação, o estádio seguinte breve se avizinha: o tempo de lhe dizermos adeus. Como podemos retardar o processo de envelhecimento?
A meia-idade define e identifica qualquer linha de criação, porque pode ser acompanhada por várias afecções, doenças ou incapacidades até ali ocultas. Cataratas, diabetes, tumores, obesidade, problemas articulares, cardíacos e respiratórios disso são exemplo. O rol é imenso e encontra-se associado à selecção descuidada e ao particular instalador. Se entendermos a doença como presságio do fim ou causa de morte, o check-up anual torna-se obrigatório, considerando as vantagens da prevenção, do despiste e do tratamento. O cão deve ser visto e acompanhado pelo veterinário, o que geralmente não acontece, porque há medida que o cão envelhece, os donos tornam-se mais descuidados, apresentando-se nos consultórios quando pouco já há a fazer. Por causa disto, da boca dos tontos é comum ouvir-se: “O ladrão levou-me uma nota preta e o cão acabou por bater a bota! Filho da …”

Na meia-idade o cão não mede forças, marca menos território e diminui a sua excursão. O seu habitáculo, outrora rampa de lançamento para as suas investidas, transforma-se no seu refúgio e fortaleza, permanecendo ali por mais tempo, ainda que alerta, substituindo o movimento das pernas pelo uso dos sentidos. Ele já não corre à toa (antes corria atrás da bola, agora leva-a para o pé de si), apenas investe pela certa e quando for caso disso. Alguns dirão que ganhou juízo, nós diremos que a experiência sucede à juventude, substituindo-a num processo irreversível que o peso dos anos não oculta, porque a menor disponibilidade física provoca alterações de comportamento. Em síntese, a meia-idade transporta alterações físicas, psicológicas, cognitivas e sociais que não devem ser ignoradas, mas consideradas, para que o envelhecimento seja saudável e não absoluto.
Sem causar maiores transtornos e de acordo com a sua raça, o índice de gordura aumentará de 5 a 10% na meia-idade, havendo cães que indesejavelmente manifestarão um aumento superior aos 40%. Assim como o fraco desempenho físico pode provocar alterações fisiológicas, susceptíveis do auxílio dos fármacos, também a prática do exercício regular pode retardá-las. Entre os 6 e os 8 anos de idade recomendamos para os cães uma marcha diária de 2.5 km, numa velocidade de 4 km/h, que poderá ser subdividida em dois momentos distintos. As amplitudes térmicas deverão ser evitadas e os pisos considerados. A escolha dos percursos deverá recair sobre os menos acidentados segundo as características morfológicas e psíquicas de cada cão. O interesse e a novidade dos percursos tendem a vencer a inércia e provocam habituação, tornando os cães despertos para o mundo à sua volta, garantindo em simultâneo a melhoria dos seus ritmos vitais, a funcionalidade e o equilíbrio psicossocial. A novidade transporta-os para a vida; o enclausuramento sistemático mata-os.
Com o passar dos anos, porque o mundo à sua volta é de todo conhecido, estabelecendo uma nova relação entre os estímulos físicos e as sensações correspondentes, os cães tornam-se mais interesseiros e menos participativos, desusando parcialmente alguns dos impulsos herdados, próprios do seu aprendizado constante. O desuso do potencial genético que induz à menor participação, deve ser contrariado, porque é galopante e obsta à qualidade de vida. Para que isso não aconteça, torna-se necessário complementar o saber empírico canino com a experiência variada e rica, para que a novidade cognitiva leve a outra prestação física e vice-versa. A alteração das rotinas deve acontecer, de modo equilibrado, pelo prazer da novidade e pela salvaguarda do bem-estar animal. Novos jogos e brincadeiras, assim como a variação dos ecossistemas, ajudam-nos neste sentido.
A sintonia com o relógio biológico, cuidado que distancia os donos dos animais de companhia dos proprietários daqueles destinados ao abate, geralmente confinados em currais, pocilgas e manjedouras, é fundamental para o bem-estar canino, particularmente entre aqueles cuja mocidade já passou. As alterações sazonais, quando devidamente aproveitadas, contribuem para o robustecimento canino, pelo equilibro biológico que antecede e prepara a estação seguinte. A variação das dietas deve acontecer, ainda que não solicitada, porque enquadramento sazonal ratifica o ciclo de vida correspondente. Quando à dieta inalterável se junta o enclausuramento e a ausência de novidade, a meia-idade abraça a velhice e a longevidade sai comprometida. Por causa disto, os cães dos criadores vivem menos que a sua descendência, porque a menor qualidade de vida os condena.
Salvo algumas excepções, o cão na meia-idade é fecundo, muito embora aqueles que nunca copularam, demonstrem um desinteresse sexual assaz notório, como se fossem alvo de castração. Quando o nosso cão chega aos 6 anos de idade, é altura de pensarmos num segundo cão, seu descendente ou não, que garantirá a sua continuidade entre nós. Essa continuidade poderá ser sanguínea ou cognitiva, mas nem por isso deixará de existir, porque os cães de meia-idade são os melhores mestres prós cachorros, deixando neles a marca da sua contribuição. Fica o conselho. Por outro lado, o convívio com cães mais jovens, considerando o sentimento gregário canino, tem-se revelado um antídoto seguro contra o envelhecimento precoce, porque a hierarquia não pode ser posta em causa, há regras que a garantem e o exemplo funciona como a melhor das pedagogias.

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