segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A escola-oficina


Sempre nos negámos a entender uma escola canina como um distrito de recrutamento, como uma poda de mancebos, um Tea Club ou algo idêntico à modalidade de Cage Rage. Todavia, gostaríamos que todos os nossos instruendos de quatro patas fossem aptos, portadores de um carácter sólido, manifestamente atléticos e prontos para aprender. Também muito nos agradaria que todos os donos ostentassem a melhor das disponibilidades, tanto intelectual quanto física, para o seu desempenho enquanto condutores de cães, que fossem gente esclarecida e com os requisitos mínimos para a função. Mas se assim fosse, qual seria a nossa utilidade? Procurar-nos-iam? Talvez no paraíso tudo isso seja possível, face à boa ordem que tudo dispensa, inclusive as escolas caninas.

E porque ainda estamos aqui, os problemas não cessam, a reciclagem torna-se indispensável, a novidade sempre nos apoquenta e o conserto torna-se obrigatório. Sim, uma escola canina é uma oficina de consertos!

A pergunta é óbvia: o que consertamos nós?
Em primeiro lugar, somos confrontados com questões éticas relativas à constituição binomial, porque a adequação tem um preço que deve ser pago por ambas as partes, o que pode não acontecer face as capacidades individuais de cada um. Sempre existirão líderes impróprios e cães excelentes, líderes capazes e cães menos aptos. E nem tudo o que é sabido pode ser dito, porque importa manter o ânimo de uns e salvaguardar os outros. Se entendermos a constituição binomial como um casamento, o adestramento será, pelo menos na sua fase inicial, um autêntico namoro. Assim, a constituição binomial é o objectivo fulcral dos nossos trabalhos, muito embora desejássemos que tal acontecesse antes do treino propriamente dito, o que infelizmente é pouco comum. Por causa disso, o desentendimento entre homens e cães, sempre foi a primeira causa para o aumento das nossas fileiras. A maioria das pessoas apenas quer que o cão lhe obedeça!









Engana-se quem pensar que as escolas caninas são exclusivamente para os cães. Sê-lo-iam se eles aprendessem sozinhos ou já nascessem com um kit de obediência incorporado. Mas como não é esse o caso, há que instruir os donos para a tarefa, porque o desempenho canino sempre espelhará a qualidade dos seus mestres. E uma coisa é certa: é mais fácil ensinar cães do que donos! A capacitação dos condutores, que antecede e propicia a constituição binomial, é a primeira das metas a alcançar, segundo o contributo teórico-prático. Através do treino, vamos ser obrigados a consertar os desaguisados domésticos, a “escrever” novos capítulos na história dos cães, contrariando a sua experiência anterior e apresentando-lhes a face desconhecida dos seus donos, oculta no dualismo entre o querer e o ser capaz.

Uma vez consertados os donos, é chegada a hora de nos virarmos para os cães. Se o exercício da obediência regra os mais atrevidos, também é verdade que a prática da ginástica torna os inibidos mais audazes. Dependendo do carácter dos cães em classe e respeitando o princípio pedagógico da individualização, os conteúdos de ensino a ministrar deverão considerar o seu robustecimento. Como a aptidão de um cão se encontra ligada aos factores físico e psicológico, o plano de aula deve considerar o seu acerto, valendo-se dos subsídios disponíveis na pista táctica. A correcção morfológica (operada a partir dos aparelhos correctores), o robustecimento do carácter e a melhoria dos ritmos vitais, são consertos típicos e inseparáveis do “método da precocidade”, porque qualquer função se encontra sujeita àquilo que a sustenta (preparação).

Em síntese, moldamos homens e cães para um projecto comum, visando a capacitação bilateral para a autonomia desejada. E dito desta maneira, tudo parece fácil, particularmente quando os objectivos são alcançados e os percalços esquecidos. A escola não faz milagres, mas tem realizado os sonhos de muitos, graças ao trabalho oficinal que os transportou para a realidade.

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