É evidente que um só cão, pode contribuir para a instabilidade dum grupo, provocar distúrbios pela sua prepotência ou rejeição. No entanto, sempre nos cruzaremos na rua com cães deste tipo, são até muito comuns, se considerarmos que agem por ciúme, medo ou desconfiança e que avançam na certeza do apoio dos seus donos. Gente solitária gera cães marginais e há que contar com ambos! O confidente animal, enquanto vítima do ostracismo, manifestará sempre um comportamento marginal, suportado pelos sentimentos territorial e gregário que lhe são peculiares. A sociabilização destes cães passa pela reinserção social dos donos (discipulado), pelo norteamento das acções caninas (fixação) e pela sociabilização animal, trabalho escolar obrigatório e um dos seus pilares pedagógicos maiores. A tarefa não é fácil, transformar um leão num cordeiro, transpira a “verdade” metafísica, especialmente, se considerarmos o antagonismo entre os desejos ocultos dos donos e a prática do adestramento, porque infelizmente, isso atenta contra o “reizinho” que existe dentro de cada um de nós. E o mais engraçado de tudo isto, é que as pessoas não se enxergam, procurando para o cão finalidades, quando o fim é manifesto e há muito foi instalado : o terapêutico ! Agora, não podemos consentir que o cão seja o saco de boxe do dono, que ele tenha de se mortificar para que o outro viva, que seja isento do seu bem-estar em prol da felicidade que transmite. Assim como a alienação canina não é natural, a recuperação do dono não é automática. E nós a pensarmos que a Escola era só para os cães! O isolamento canino deve terminar no dia da sua inscrição escolar, a menos que, por canais que nos são desconhecidos, eles vivam esperançados nas Palavras da Redenção: “ Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei”.
A constituição da matilha escolar espontânea, enriquecida pela sua heterogenia e diversidade etária, pela sociabilização que oferece e pela regra que opera, torna-se indispensável para a pacificação canina, factor essencial para a concentração laboral, para o desenvolvimento da obediência, para o progresso da ginástica e para o reforço da liderança humana. Por outro lado, a ausência de sociabilização animal, obsta à instalação do genuíno cão de guarda. Os cães debaixo de stress tornam-se surdos e esquivos, tendem à irritabilidade e à confrontação indesejável.
Como podemos operar a harmonia dos cães escolares, sem o recurso exclusivo às manobras de sociabilização animal?
Alguns sustentam o princípio da familiaridade, separando os cães agressivos dos demais, colocando-os do lado exterior à pista, para que vejam os outros a trabalhar e se familiarizem. Apesar do muito empenho dos donos, as tratativas são morosas e nem sempre alcançam o resultado desejado. A ausência de competitividade pode induzir-nos em erro, porque a impossibilidade de contacto apenas produz apatia. No entanto, o controle dos latidos é possível e não raramente acontece. A integração em classe é feita de modo gradual e ao menor sinal de agressividade, o retorno à 1ª forma acontece. O princípio tarda em resolver o problema emocional que o contacto propicia, coisa que a separação não oferece e tende a agravar o problema.
Outros recorrem ao princípio da coerção, juntando os cães problemáticos aos restantes, servindo-se das trelas para travar qualquer tipo de agressão. A cessação das acções é acompanhada pelo recurso a comandos inibitórios. Espera-se que o condicionamento opere e se transporte para a condução em liberdade, o que nem sempre acontece e obriga ao retorno à 1ª forma, agora mais demorada e com maior acutilância. O travamento do cão junto ao dono acontece, duvida-se é que opere na condução nuclear, quando a confrontação sucede para além do alcance físico do condutor, já que a distância pode obstar à contenção desejável. A sujeição ao princípio pode ter consequências indesejáveis, operar a castração definitiva dos impulsos à luta e à defesa. Assim, o princípio da coerção está cativo à troca de alvos, substituindo, amiúde, os cães por cobaias humanas.
Há ainda quem se socorra do princípio da fixação, obrigando os cães marginais à fixação exclusiva nos condutores. Mas o que acontecerá perante a distracção momentânea dos líderes , fará o cão jus ao provérbio que diz: “longe da vista; longe do coração” ? Sem objecto de fixação ele fica entregue a si próprio ! O princípio torna-se inválido sem o contributo efectivo dos automatismos e só pode ser aplicado depois da sua instalação. Assim temos procedido com os cães que chegam à Escola já adultos.
Certos adestradores lançam mão do princípio da privação, privando os cães da liberdade ou daquilo que mais gostam, em função do seu mau comportamento anterior, pondo-os literalmente de castigo e isentando-os temporariamente dos seus afagados. O benefício do castigo carece do flagrante delito, para que o cão compreenda a razão privativa. Entre os submissos o princípio tem resultado, mas nos dominantes nem por isso! A sujeição ao princípio é duplamente dolorosa, porque o cão não se cala e o dono não aguenta tanta lamúria.
O princípio da distracção baseia-se na alteração da fixação canina, pela substituição dos impulsos herdados mais evidentes em cada cão, o que obriga ao isolamento binomal. No lar o recurso pode ser válido, na rua nem sempre é possível e na Escola é indesejável, porque ofende a boa ordem dos trabalhos e estende a distracção a todos os cães em classe, transformando a solução individual num problema colectivo.
Em vão, já houve quem recorresse a vários princípios em simultâneo, quem lhes adicionasse um cunho mais violento e quem enveredasse pelos meios da reeducação. A sujeição aos princípios é uma medida de recurso, um mal necessário para um problema instalado, algo que jamais aconteceria, se o momento social canino fosse respeitado e extensível a todos os cães.
Tal qual um proprietário de vários cães, assim deve funcionar o Adestrador, estabelecer o equilíbrio do grupo e fomentar a amizade entre os seus membros, quer advertindo os prevaricadores, quer incentivando os mais fracos, porque os mais velhos reconhecem a sua autoridade e os mais novos carecem de norteamento e liderança. A constituição familiar da matilha escolar é uma obrigação do Adestrador e não, uma opção binomal. Cabe-lhe instalar o princípio da autoridade e torná-la extensível a todos os condutores, para que possam liderar os seus cães naturalmente.
Os cães escolares não são diferentes dos demais, necessitam de crescer e brincar, de namorar e competir, de evoluir colectivamente através da experiência dos mais velhos, porque eles são agentes de ensino excelentes, monitorando pelo exemplo, aqueles que os desejam imitar. O escalonamento hierárquico é desejável e imperativo, indispensável ao bom andamento dos trabalhos escolares, quando efectuado de modo natural e isento dos exageros que levam ao domínio exacerbado ou à submissão exagerada. O cão necessita de estar em paz com o grupo, de “chorar” pela Escola, porque sente a sua falta.
Os 10 minutos de relax são a hora do recreio escolar, um recreio que antecede o treino e o torna apetecível, 10 minutos do domínio exclusivo do Adestrador e uma rara oportunidade de estudo e reflexão. Um momento onde se joga a futura sociabilização e se fundamenta o equilíbrio para qualquer função. Só o grupo pode libertar o cão da marginalidade e fá-lo pela aceitação. O benefício gregário escolar é uma solução artificial para vários problemas naturais, algo que dificilmente aconteceria, sem a intervenção, policiamento e direcção do Adestrador, enquanto chefe da matilha e seu líder supremo e absoluto.
Sem comentários:
Enviar um comentário