segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O CÃO QUE EU NÃO FUI

Em criança pensava que a maioria das pessoas era normal, quando cheguei à adolescência fiquei com algumas dúvidas, em adulto vi que não era bem assim e na prática do adestramento percebi que o termo é apenas um cliché, um chavão que engloba uma imensidade de comportamentos, todos eles mais ou menos marginais, encapuçados dentro de códigos de conduta, de equilíbrio periclitante e sujeitos ao transtorno. É evidente que não descobri a polvora!
 

Quer queiramos ou não, quando ensinamos um cão, somos obrigados a desnudar o dono que se esconde atrás dele, porque ambos irão ser objecto de ensino e o sucesso dependerá dessa dupla capacitação. Também o devemos fazer para nossa segurança e salvaguarda dos animais, atendendo aos abusos de que eventualmente possam ser alvo. Este desnudo acontece naturalmente pelo dualismo das vontades e não precisa de ser forçado, surge com as dificuldades, abre o leque nas contrariedades, manifesta-se nas soluções e expõe-se no modo de recompensar, o que transforma o universo do adestramento num mundo de sentimentos à solta.
 

Quando abraçamos esta temática, vem-nos à memória a história do Xau-Pi e da sua dona, um sharpei tratado como filho e eleito divindade, propriedade de uma senhora que vivia só. O bicho não gostava de ser contrariado e nisso sempre foi respeitado até ingressar na escola. Certo dia, a dona foi pôr-lhe o estrangulador, bem longe dos outros para não incomodar o seu menino e evitar a sua exposição ao ridículo. Subitamente ouve-se um rosnar prolongado e gutural, seguido de breve silêncio, quebrado pela seguinte exclamação: “ Xau-Pi está descansado, está aqui muito sangue, mas não é teu, é do braço da mamã!” Se ainda nos sobrar tempo, porque vontade não nos falta, gostaríamos de editar um livro sobre relatos deste tipo, o que por certo se tornaria numa leitura bastante agradável e hilariante.

O cão mais difícil de ensinar é aquele em que o dono se revê nele, criando-lhe comportamentos que nunca ousou manifestar e que procura deliberadamente, o que irá transformar o animal num rufia de difícil manobra. Os condutores com estas características, que por sorte são poucos, têm por hábito malbaratar a obediência e pactuar com a desobediência, dificilmente contrariam os seus cães e alegram-se com os seus desacertos e desacatos, ainda que o façam à boca calada e debaixo de um semblante angelical. Porque querem um cão dominante, decidido e imparável, só usarão o “não” depois de muita insistência, dizendo-o em tom coloquial e em voz baixa, seguido invariavelmente de algum tipo de recompensa, porque não querem disciplinar e procuram a irreverência.
 

A instigação à violência, punida por lei mas difícil de provar, contribuiu e continua a contribuir para o abate dos cães, ainda que os animais sejam os menos responsáveis e trabalhem a rogo dos donos, gente que neles esconde a sua anormalidade e que se realiza no disparate. Há que ter estes justiceiros debaixo de olho, o amor aos cães a tanto obriga!

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