segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

NHURROS E MAHDISTAS


Os portugueses são profundamente religiosos, supersticiosos, encrençados e messiânicos, mesmo aqueles que o negam, havendo alguns que ainda acreditam no pai natal, apesar do peso dos seus anos. E quem julgar ser isso obra dos mais simples, engana-se redondamente, porque outros mais ilustres enveredaram pelo sebastianismo e partiram na esperança do 5º Império. A fezada do português, profundamente subjectiva, porque o seu objecto varia de indivíduo para indivíduo, mistura alhos com bogalhos e profaniza o sacro até à apropriação. Este jeitinho, também enxertado por nós em Terras de Vera Cruz, universalizou-nos, senta-se à mesa connosco e faz-nos sonhar acordados. E nem o Papa nos aguenta, porque por vezes somos mais papistas do que ele e por outras… queremos que ele se exploda!
 
Como cada um de nós se vê um sumo sacerdote, entendemos os outros como ovelhas tresmalhadas, o que reforça o culto pessoal que nos desune e nos impede de ir mais adiante, porque todos julgamos haver nascido para obra maior. Depois da ascenção da burguesia e da sacralização dos políticos, compreensivelmente, damos mais crédito à pregação da esperança do que á exortação á mudança, e eles sabem disso! Na semana passada, recebemos um email de um amigo nosso com alguma piada e a dar que pensar, que conta um pretenso diálogo entre dois diplomatas, um jovem e o outro mais velho, ambos a comentar o estado actual do País. O primeiro não compreendia como um povo que saiu para as quatro partidas do Mundo e erigiu um Império, pode agora encontrar-se nesta situação, relembrando assim a nossa ascendência, ao que o outro respondeu: “Não se iluda, nós não somos descendentes dos que partiram, mas sim daqueles que cá ficaram!”, o que desnuda ser o português, melhor fora de portas do que dentro da sua própria casa.
 
 
Assim como no Brasil existe o fascínio pela Europa, quiçá farto da influência gringa, quase invisível para os brasileiros, mas deveras sentida pelos europeus, também em nós sobressai o apego pelas coisas que vêm de fora, quer elas sejam boas ou más. E nos bardos da canicultura e da cinotecnia acontece o mesmo, onde o mahdi Cesar Millan, tido como encantador de cães, vê aumentar, substancialmente, o número dos seus seguidores. A estes mahdistas, plebe que se julga iluminada, junta-se um grosso de nhurros avesso à novidade e incapaz de produzir qualquer alteração, agarrado a pergaminhos rôtos que lembram moeda fora de circulação e por isso mesmo sem valor. Entre a cópia e o que sempre fizemos, oscilando entre a moda e o desusado, assim temos andado.
 
O adestramento não dispensa a inovação e o conhecimento erudito, precisa do contributo da ciência para melhorar a sua arte, de melhores currículos e formadores, de etólogos e cinotécnicos especializados para ir avante, de uma formação que contemple a psicologia e a etologia, não despreze a antrozoologia, que abrace a zoognóstica, considere a biomecânica e que aprenda com os avanços da genética. Se assim não acontecer, continuaremos como até aqui, a fazer da selecção e do ensino dos cães um jogo de sorte e azar. No dia em que conseguirmos perceber que o insucesso escolar é culpa dos donos, então evoluiremos, verdade que alguns já sabem, mas que poucos têm coragem para dizer. Até lá, os nhurros continuarão a sobrecarregar os cães e os iluminados a facturar, pelo menos até outro mahdi chegar!

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