Os portugueses são profundamente religiosos,
supersticiosos, encrençados e messiânicos, mesmo aqueles que o negam, havendo
alguns que ainda acreditam no pai natal, apesar do peso dos seus anos. E quem
julgar ser isso obra dos mais simples, engana-se redondamente, porque outros
mais ilustres enveredaram pelo sebastianismo e partiram na esperança do 5º
Império. A fezada do português, profundamente subjectiva, porque o seu objecto varia
de indivíduo para indivíduo, mistura alhos com bogalhos e profaniza o sacro até
à apropriação. Este jeitinho, também enxertado por nós em Terras de Vera Cruz,
universalizou-nos, senta-se à mesa connosco e faz-nos sonhar acordados. E nem o
Papa nos aguenta, porque por vezes somos mais papistas do que ele e por outras…
queremos que ele se exploda!
Como cada
um de nós se vê um sumo sacerdote, entendemos os outros como ovelhas
tresmalhadas, o que reforça o culto pessoal que nos desune e nos impede de ir
mais adiante, porque todos julgamos haver nascido para obra maior. Depois da
ascenção da burguesia e da sacralização dos políticos, compreensivelmente,
damos mais crédito à pregação da esperança do que á exortação á mudança, e eles
sabem disso! Na semana passada, recebemos um email de um amigo nosso com alguma
piada e a dar que pensar, que conta um pretenso diálogo entre dois diplomatas,
um jovem e o outro mais velho, ambos a comentar o estado actual do País. O
primeiro não compreendia como um povo que saiu para as quatro partidas do Mundo
e erigiu um Império, pode agora encontrar-se nesta situação, relembrando assim
a nossa ascendência, ao que o outro respondeu: “Não se iluda, nós não somos
descendentes dos que partiram, mas sim daqueles que cá ficaram!”, o que desnuda
ser o português, melhor fora de portas do que dentro da sua própria casa.
Assim
como no Brasil existe o fascínio pela Europa, quiçá farto da influência gringa,
quase invisível para os brasileiros, mas deveras sentida pelos europeus, também
em nós sobressai o apego pelas coisas que vêm de fora, quer elas sejam boas ou
más. E nos bardos da canicultura e da cinotecnia acontece o mesmo, onde o mahdi
Cesar Millan, tido como encantador de cães, vê aumentar, substancialmente, o
número dos seus seguidores. A estes mahdistas, plebe que se julga iluminada,
junta-se um grosso de nhurros avesso à novidade e incapaz de produzir qualquer
alteração, agarrado a pergaminhos rôtos que lembram moeda fora de circulação e
por isso mesmo sem valor. Entre a cópia e o que sempre fizemos, oscilando entre
a moda e o desusado, assim temos andado.
O adestramento não dispensa a inovação e o
conhecimento erudito, precisa do contributo da ciência para melhorar a sua
arte, de melhores currículos e formadores, de etólogos e cinotécnicos especializados
para ir avante, de uma formação que contemple a psicologia e a etologia, não
despreze a antrozoologia, que abrace a zoognóstica, considere a biomecânica e
que aprenda com os avanços da genética. Se assim não acontecer, continuaremos
como até aqui, a fazer da selecção e do ensino dos cães um jogo de sorte e
azar. No dia em que conseguirmos perceber que o insucesso escolar é culpa dos
donos, então evoluiremos, verdade que alguns já sabem, mas que poucos têm
coragem para dizer. Até lá, os nhurros continuarão a sobrecarregar os cães e os
iluminados a facturar, pelo menos até outro mahdi chegar!
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