segunda-feira, 27 de julho de 2009

::: Rei da casa, prisioneiro do lar: crónicas do Exílio Real :::

(Reflexão dedicada ao Sr. Dr. MSL, insigne economista, homem de rara erudição e espírito de bem servir)


Há quem espere pela moradia para ter um cão, quem não hesite em incriminar aqueles que o têm em apartamentos e quem viva desesperado com ele nessa situação. Será assim tão mau ter um cão num apartamento? Estará melhor num jardim ou numa quinta? O que importa salvaguardar?
Esta reflexão tem como ponto de partida o bem-estar canino, não o uso dos cães para os diferentes fins, tão pouco o prazer efémero de ter um cão ou a explanação do seu fim terapêutico. A análise é feita a partir das expectativas daquele que não fala: o nosso fiel amigo.

Julgo eu, e penso não estar enganado, que os cães nómadas são mais felizes que os que os urbanos, que os da transumância se alegram com o seu ofício e que a solidão a todos mata. E digo isto porquê? Porque o cão é dominado pelo sentimento gregário, não nasceu para estar só e necessita de bater território, porque o seu ensino é dinâmico e a sua adaptação acontece pelo enriquecimento do seu quadro experimental. O cativeiro forçado dos cães pode ser responsável por um sem número de problemas sociais, causando estragos, senão vítimas, dentro e fora de casa. Mas mais importante do que isso, importa realçar o sofrimento animal, interpretar a sua revolta e contribuir para a sua felicidade.

Se eu desterrar um cão para uma quinta desde tenra idade, visitando-o ocasionalmente, o que me esperará? Certamente um animal esquivo, silvestre e autónomo, entregue aos seus fantasmas e distante de mim, com um comportamento próximo ao dos bovinos, que largados numa serra, evoluem de acordo com a incidência dos raios solares. Nestas circunstâncias e de uma só assentada, despreza-se a sociabilização, rebenta-se com a parceria, invalida-se a liderança, potenciam-se os instintos (o que não é desejável), e atenta-se contra a saúde animal. Ao contrário do que é comummente aceite, uma quinta não garante, por si mesma, o exercício físico desejável a um cão, porque sendo isenta de estímulos não activa a motivação necessária. O animal vive dentro dela na esperança de ver o portão aberto ou fugirá quando ele se abrir. O cercado não foi feito para o cão, nem para animal nenhum, como invenção humana que é, apenas serve os seus interesses. A quinta é uma gaiola de ouro, idêntica a um apartamento na Expo, porque a extensão territorial não consegue substituir o dono ou preencher o seu vazio. A sua vantagem carece de uma condição: a parceria humana.

Os cães instalados em moradias com jardim, porque estão mais próximos dos donos, não sofrem os mesmos horrores que os ignorados nas quintas, desde que usufruam da interacção da família adoptiva, caracterizada pela cumplicidade e pelo estabelecimento de regras comuns. No entanto, o quintal não deve ser um canil maior ou um local de cativeiro (depois admirem-se dos estragos no jardim, já houve quem usasse arame farpado). O cão deve sair diariamente, no mínimo uma vez e num período de 60 minutos, para satisfazer a sua propensão excursionista e evoluir cognitivamente pela variação dos ecossistemas, porque é curioso e quer compreender. Quando assim procedemos, facilitamos o seu transporte e as idas ao veterinário, trabalhamos para que vá de férias connosco e permaneça sempre ao nosso lado.

Na semana passada, uma aluna minha, quando passeava o seu cão à noite, ouviu doutro proprietário canino o seguinte comentário: “o meu cão participa em competições, é um verdadeiro campeão!” A jovem viu-se obrigada a responder, sabe-se Deus com que dificuldade, porque é introvertida e detesta dar nas vistas. Acanhada, lá retorquiu: “o meu dorme comigo na cama e é feliz.” Os muitos emails que recebemos a pedir conselho e a ocasião deste encontro, deram motivo à presente reflexão.

Na perspectiva do cão, ele está melhor dentro de um apartamento do que encerrado num canil, confinado numa box ou plantado num jardim. Aos cães que vivem nestas condições chamam-lhes “cães de sofá”. A designação partiu daqueles que se divertem com as guerras “de alecrim e manjerona”, a construir o robocop canino e que se vêem justiceiros. O apartamento é um excelente refúgio para o cão, porque coabita com os donos, interage com eles, apreende os seus hábitos e assimila o seu modo de vida: torna-se um membro da família. Haverá melhor integração?
É evidente que essa integração carece de regras e obriga a algum sacrifício, tendo em conta a instalação do animal e o particular da casa. Mas como por detrás de qualquer processo de adopção, o amor garante o sucesso, a tarefa encontra-se facilitada e as soluções estão ao alcance de qualquer um. Quando a instalação num apartamento é falha, o logro é geralmente da responsabilidade humana, advindo da ausência de regras comuns que possibilitam a plena coabitação.

Logo de entrada e a talhe de foice, importa esclarecer que a maioria das raças caninas não é noctívaga, como é o caso do Rafeiro Alentejano, que descansa durante o dia e é activo pela noite fora. No entanto, por força do hábito, qualquer cão pode transformar-se num guarda-nocturno, particularmente se descansar durante o dia e for convidado para sair à noite. Um grande número dos cães de apartamento encontra-se sujeito a esta rotina, especialmente aqueles que só passeiam à noite, que nada têm para fazer ao longo do dia e que aguardam o regresso dos seus donos à noitinha. Isto para um cachorro é fatal e dá origem a um sem número de problemas e queixas, porque o animal não irá deixar ninguém dormir e incomodará os vizinhos, causando embaraço e umas quantas queixas na polícia. Para minimizar o problema, os cães devem sair, pelo menos, duas vezes ao dia, uma pela manhã e outra no seu final, num período de 60 minutos por cada sessão. A medida, para além de regrar os hábitos de higiene, diminui significativamente a ansiedade dos animais, coloca-os em sintonia com o relógio biológico, livra-os dos calmantes muito em voga e das cacetadas com o jornal.

Os cães não são porcos e preservam a sua higiene diária, detestam defecar junto ao prato da comida e necessitam de marcar território. Apesar de errado e condenável, muitos encontram-se confinados em cozinhas, terraços e varandas, impedidos de sair e entregues a si próprios. Se os donos não forem asseados, quando os dejectos se constituírem em tapete, onde irão os animais defecar? A quem caberá a culpa? Provavelmente a quem come por tabela!

Desde que a excursão canina seja respeitada, o apartamento é o melhor dos alojamentos para um cão, porque o estreitamento dos vínculos afectivos induz à assimilação mais célere das regras. Desculpem a franqueza: quem não tem tempo para um cão, para que o desperdiça na sua aquisição? O bem-estar canino está para além das festas e da barriga cheia, obriga a uma série de condições, importa respeitar o animal e sustentá-lo de acordo com a sua natureza. Apesar do apartamento ser o abrigo mais apetecível para um cão, felizes são aqueles que acompanham os seus donos para todo o lado.

Se tem alguma dificuldade com a instalação doméstica do seu cão, contacte-nos através do e-mail: acendurabrava@blogspot.com. O nosso auxílio é gratuito e prometemos responder dentro da maior brevidade possível.

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