segunda-feira, 25 de julho de 2011

OBSTÁCULOS E PERCURSOS DE EVASÃO

Sinceramente nunca vimos e continuamos sem ver quais as vantagens para os cães ao serem licenciados tanto nas Juntas de Freguesia quanto nas Câmaras Municipais, apesar de não duvidarmos dos benefícios de tal procedimento para a saúde pública. Que contrapartidas oferecem as autarquias aos proprietários caninos? Eventualmente a entrega gratuita de sacos de plástico para os dejectos dos bichos, muito raramente sanitários para os animais, constantemente um chorrilho de proibições, invariavelmente a recolha dos cães vadios e costumeiramente a certeza semanal do seu abate. Não queremos com isto ser paladinos de causa alguma, arautos de qualquer partido (a constituir ou já constituído), somente queremos compreender porque pagamos e para quê, já que daí não nos resulta qualquer benefício. Não deveriam as autarquias, à guisa de retribuição, oferecer terrenos destinados e adequados para os cães, onde manteriam um espaço destinado para as suas necessidades fisiológicas e uma pista de manutenção dedicada ao seu bem-estar e exercício? Talvez seja melhor ver um ciclista, serra acima, possesso e com um cão no seu encalço ou um maratonista a rebocar outro pelos fundilhos! Será impossível estabelecer um convénio entre as autarquias e as escolas caninas para estender o adestramento a todos quanto precisam dele? Mais do que uma questão de princípio, esta é uma questão de justiça, considerando os direitos de cidadania e a existência dos animais que não deveriam ser jogados em saco roto. E nisto podíamos ser pioneiros, porque a necessidade é premente, terreno não nos falta e o investimento será diminuto. Num País pobre como o nosso (parece que agora já ninguém duvida disso, onde hoje se roubam cabos de telefone, batatas, couves e pimentos), não deveriam os adestradores militares e policiais ser colocados ao serviço da população, uma vez que são pagos por todos nós e neste momento a juros altíssimos? Qual será escolha mais razoável: a prevenção ou a repressão?
Enquanto tal não for possível e não existirem pistas municipais caninas, importa conhecer e desnudar as existentes nos centros cinotécnicos civis e militares, porque cada uma delas serve um ou mais propósitos e evidencia quais os seus objectivos, a sua filosofia de ensino e a razão de ser dos seus simulacros, intimamente ligados à natureza dos obstáculos, à sua combinação, disposição e benefícios. As pistas de obstáculos podem ser assim divididas (a grosso modo): tácticas, de manutenção, de competição, de exibição e de resgate e salvamento. Ainda antes da caracterização ou identificação de cada uma delas, queremos manifestar a nossa estranheza pelo desprezo actual relativo à ginástica cinotécnica, hoje erroneamente entendida como obsoleta e associada ao estoiro dos animais, o que tem levado a um menor conhecimento biomecânico e por consequência ao subaproveitamento e despreparo dos cães, desprezando em simultâneo a correcção morfológica e o robustecimento do seu carácter, benefícios interligados e indispensáveis ao melhor apetrechamento canino. A maioria das pistas actuais são de uma pobreza gritante, mais vocacionadas para o gozo dos donos do que pró benefício dos cães, onde a procura da modalidade ignora ou despreza a ginástica de base que melhor a subsidiaria. A somar a isto, lamentamos o abandono a que foram sujeitas muitas pistas militares, outrora verdadeiros símbolos das unidades e agora transformadas em paraísos para pardais e gafanhotos, isto porque os caracóis vêm agora de Marrocos. Caso contrário, também por lá andariam sem ser incomodados!
Sobre as pistas de competição e de exibição, que podem abraçar e contemplar disciplinas como o agility, a pistagem e a guarda, servindo ao mesmo tempo como pistas de manutenção, pouco haverá a acrescentar ao que é público e do conhecimento geral, porque estão na moda, são baratas e não carecem de actualização, estando por estas razões presentes em todo o lado. As pistas destinadas à prestação de socorro, ao salvamento e ao resgate são praticamente inexistentes em Portugal, porque acontecem a dois níveis: um à superfície e outro no subsolo, o que as torna dispendiosas e carentes da logística inerente à novidade tecnológica. O treino destas disciplinas, na ausência de pistas próprias, tem-se remetido a uns tantos obstáculos e exercícios específicos, à procura de simulacros no exterior e ao ávido embarque pràs calamidades alheias que acontecem um pouco por todo o mundo, quando à verba e não resulta em prejuízo para o serviço. A qualidade dos cães destinados a estas missões irá depender do número das suas participações, onde irão literalmente treinar e ganhar experiência, não raramente sem prévia preparação e surpresos pelo particular de cada situação. Contudo, em muitas áreas do salvamento e resgate, existem bons binómios (civis e militares) de créditos firmados em determinados serviços específicos tanto em terra como no mar. Em prol do povo e perante as alterações climáticas, responsáveis por fenómenos de estranha dureza e de consequências inesperadas, vemos com bons olhos o número crescente destes binómios entre os bombeiros.
As pistas tácticas são cada vez mais raras no nosso País (talvez os dedos de uma mão cheguem e sobrem para as contar), porque carecem de actualização, necessitam de maior investimento, reclamam por mais espaço (cerca de 1 hectare), os seus obstáculos e aparelhos não são fáceis de encontrar, a sua fabricação obriga ao uso de diferentes materiais (de acordo com os encontrados no quotidiano), e mais importante que tudo isto: dificilmente se encontrará quem as saiba montar de acordo a biomecânica canina e a sua capacidade de resolução, pois não sobra por aqui saber e experiência para tal. Mas antes assim, porque doutro modo seriam os cães a pagar as favas, porque a endurance tem regras, exige um crescimento gradual e baseia-se nos princípios gerais da pedagogia de ensino, não pode ser encarada de ânimo leve e exige dos binómios superior aplicação, condições difíceis de encontrar à partida num mundo dominado pela subjectividade. Graças ao seu avultado custo e à ignorância das suas vantagens, a começar pela hidroterapia e indo pela fisioterapia adiante, raríssimos são os centros caninos que têm piscinas para oferecer aos seus alunos, o que não deixa de ser um terrível contra-senso face à necessidade da correcção morfológica, da recuperação de lesões e de um melhor apetrechamento, para já não se falar da própria sobrevivência animal, porque nem todos os cães sabem nadar e muito poucos o fazem correctamente (com a totalidade dos membros abaixo da linha de água).
O que caracteriza as pistas tácticas é a multivariedade de obstáculos que possibilita o melhor aproveitamento interdisciplinar, dispostos de acordo com os desafios do quotidiano e apostados na sobrevivência animal, afim de garantirem os graus de operacionalidade e os indíces atléticos para as distintas funções caninas. Uma pista táctica sempre compreenderá obstáculos de pré-treino e correcção morfológica (ali tratados como aparelhos), obstáculos de índole ou carácter, técnicos e específicos, dispostos estrategicamente e em sequências evolutivas, visando acções relativas à competição, exibição, pistagem, salvamento, resgate e evasão, melhor subsidiando os cães guardiões, indiciando reprodutores capazes e operando em simultâneo o socorro binomial ou o necessário a cada um dos seus membros isoladamente. Como a pista táctica carece de actualização e reproduz em laboratório as dificuldades encontrados no dia a dia dos cães, ela é ao mesmo tempo de manutenção e de inovação, porque recapitula e transforma os códigos de acordo com as necessidades, evitando assim a surpresa causada pela novidade dos desafios, já que o objectivo primordial do adestramento é a sobrevivência animal. A supressão deste propósito no treino canino sempre nos remeterá para a actividade circense e transformará as escolas em verdadeiros ATL’s.
Como não poderia deixar de ser, os percursos de evasão sempre farão parte integrante de uma pista táctica, porque os cães estão sujeitos ao roubo e os donos poderão precisar deles para serem resgatados, o que obrigará à construção e uso de obstáculos específicos para esse fim. O concurso aos percursos de evasão dotará os cães de meios para o desencarceramento binomial e facilitará o seu retorno a casa, quando indevidamente perdidos, retidos, capturados, amarrados ou detidos e entregues a si próprios. A natureza dos obstáculos deverá suscitar todo um conjunto de acções que se irão transformar em requisitos caninos para a evasão. Estamos a falar do corte de arame e corda, de escalar e escavar, de nadar, de rastejar, retraçar, saltar e de outras mais. O suporte destas acções virá da ginástica cinotécnica e alcançará a endurance, porque de outro modo seria muito difícil suportar as diferentes sequências de obstáculos que propiciam a evasão. É evidente que por detrás de tudo isto se encontra e procura a obediência inquestionável, enquanto base e pré-requisito de todo e qualquer adestramento. Muitas das acções tidas como de evasão estão presentes nos cães mais instintivos ou naqueles que foram seleccionados para uma determinada função, resultando assim de forma automática e dispensando para o efeito de qualquer tipo de ordem, o que tanto pode constituir-se numa vantagem como numa desvantagem, consoante se considere o seu aproveitamento ou uso desautorizado, o que nos remeterá mais uma vez para o superior aproveitamento na disciplina de obediência. A aprovação nos percursos de evasão possibilitará ainda acções ofensivas e defensivas, onde a autonomia condicionada dos cães poderá vir a revelar-se indispensável, quer substituindo a presença dos seus condutores ou complementando o seu trabalho. O treino da evasão é uma obrigação e não uma opção, a menos que queiramos ficar sem cão!

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