Desde cedo se percebeu, quando se
pretendeu usar o cão como guerreiro nos tempos modernos e treiná-lo como
militar, da necessidade de um adestramento específico visando a supressão de
algumas dificuldades e a potenciação das suas capacidades ou complementaridades,
da emergência de pistas tácticas com obstáculos próprios e capazes para o
simulacro do teatro operacional, nascendo assim, um pouco por toda a parte, o
conceito e elaboração da pista táctica (nalguns casos tratada como pista de
fogo), requisito que viria a revelar-se fundamental para o treino do cão de
guerra. O modo diverso de fazer a guerra e a perca galopante de atribuições
militares por parte dos cães, levaram ao desuso e desaparecimento das outrora
famosas pistas tácticas, que subsistiriam ainda até aos alvores do cão-polícia,
transição natural que tanto creditou algumas raças e uma ou duas em particular.
E como não estamos aqui a tratar do
fenómeno de Tunguska e tudo tem o seu início, todas as pistas que hoje vemos
tiveram a sua origem comum nas pistas militares, a menos que consideremos a
actividade circense como madre de algumas modalidades ou disciplinas caninas, o
que nos parece pouco provável. Apesar da novidade de propósitos ter levado a
diferentes filosofias e outros tantos objectivos, o hábito sistemático de treinar cães é um legado militar sobre os cães ditos de utilidade ou de
trabalho, mesmo que eles se tenham vindo a transformar em simples guardiões, caçadores
ou companheiros, porque ainda definimos o treino como rigor, apostamos na
constância das acções, buscamos o condicionamento, procuramos a uniformidade, o apego aos procedimentos e temos como base de todo e qualquer adestramento a
disciplina de obediência, ainda que os meios para o seu alcance tenham mudado,
diga-se que felizmente, em abono dos cães, na defesa da sua integridade e
individualidade, defesa operada pelo reforço positivo e pelo uso requerente à
memória afectiva presente nestes animais.
A passarelle já existia e dela se
fazia uso antes de um “sonhador” ter inventado o agility pela observação das
provas equestres, o mesmo aconteceu com os esconderijos hoje usados para o
treino do cão de guarda e os retrievers são anteriores aos novos métodos de
ensino. Valerão as pistas tácticas somente como referência para os actuais cães
paisanos ou serão também importantes para a sua formação e capacitação? Estamos
em crer que elas não perderam a sua actualidade e que muito podem subsidiar os
actuais cães de trabalho, considerando o alcance dos seus indices atléticos,
superior capacitação, bem-estar e longevidade, enquanto preparação específica
para o trabalhado vindouro, alvos muitas vezes aquém das pistas em voga e que
se transformaram no melhor dos marketings para quem tem rações ou acessórios para
vender, porque não promovem o conhecimento biomecânico, o seu aproveitamento e
potenciação, subsidiando ao invés o show e gozo efémero dos donos.
Para além destes aspectos, as pistas
tácticas foram e devem ser concebidas para dar combate e levar de vencida os
medos mais comuns presentes nos cães, geralmente transformados em traumas que
inibem de sobremaneira a prestação canina e a sua saúde como um todo. Como a
lista desses medos é interminável adiantaremos apenas alguns: acrofobia,
acustofobia, batofobia, cainofobia, cimofobia, claustrofobia, cleitrofobia,
escotofobia, ligirofobia e mictofobia, o rol é deveras extenso! As mais-valias
das pistas tácticas não se esgotam nos benefícios psicológicos e na melhoria
dos índices atléticos, no aumento da prontidão e na preparação específica dos
cães, estendendo-se também à correcção morfológica e à melhoria dos aprumos, isto
se convidarmos os cachorros para a sua prática aquando da face plástica que os
ciclos infantis oferecem.
Os inimigos das pistas tácticas e que
delas dizem horrores são na sua maioria gente que na década de 80 ainda não
tinha atingido a maioridade e que assustada com os relatos que foi ouvindo, não
raramente exagerados, as tem conotado como hediondas e desprezíveis quando
comparadas com as actuais, de índole desportiva, de técnica rudimentar e de fácil
resolução, o que compromete de sobremaneira o seu parecer, por não ser
tangencial e não resultar da experiência objectiva que induz à comprovação.
Assim também nasceu a história do lobo mau e o mito da avestruz com a cabeça
debaixo da terra! Há quem também diga que a pista táctica é uma fomentadora de
lesões e que por causa disso entrou em desuso, o que é falso, uma vez que o seu
objectivo aponta claramente na direcção contrária e tem como prioridade a
salvaguarda da integridade global dos cães, preparando-os para os perigos e desafios
que encontrarão no seu quotidiano, valendo-se para isso de obstáculos idênticos
àqueles com que irão ser confrontados.
O adestramento perderia o seu
significado se em cada cão houvesse um gato, pelo menos na sua vertente atlética,
porque o felino dispensa nesta matéria de qualquer tipo de aprendizado mercê
das suas características inatas. Ao invés, o cão necessita de aprender a saltar
correctamente, a distribuir prontamente o seu peso corporal pelos dois pares de
membros nas recepções ao solo, o que lhe permitirá impactos menos violentos e
garantirá a progressão por mais tempo e sem delongas. Ele irá necessitar de
aprender a escalar, quer para prestar socorro quer para se libertar ou salvar,
terá que aprender a nadar com os dois pares de membros abaixo da linha de água,
caso contrário entrará em colapso e virá a morrer afogado. Terá que aprender a
escapar-se do fogo e a evoluir em diferentes superfícies, pisos e acidentes
(naturais ou artificiais), e ser condicionado na resolução de todo e qualquer
obstáculo que encontrará pela frente.
Também terá de acostumar-se à vida
urbana, à novidade de materiais e a evitar os danos que estes lhe possam
causar, a vários tipos de transporte e a toda a casta de gente na progressão alinhada
que lhe será exigida. Ser experimentado e aprovado nas situações em que importa
socorrer-se e socorrer o seu dono, necessitando para isso de usar toda a
ferramenta morfológica ao seu dispor, meta que a pista táctica não dispensa e
que abraça como objectivo, resultando daí a sua actualidade e utilidade.
Cortar, escalar, escavar, nadar, rasgar, rastejar, saltar, subir escadas,
transportar e aprender a ocultar-se, são algumas das acções que a pista táctica
lhe oferecerá e que irão capacitá-lo para a sua sobrevivência e mais-valia. A
somar a isto, pelo peso do trabalho binomial que não dispensa a cumplicidade, a
sua condução em liberdade e autonomia acontecerão mais cedo e tornar-se-ão mais
eficazes.
A natureza dos obstáculos propostos pelas
pistas tácticas, para além de fomentar a escolha correcta dos andamentos
naturais presentes nos cães pràs tarefas, tende e normalmente consegue, dotar
determinadas raças de características funcionais que a sua selecção desprezou
ou omitiu, algo a que a diferenciação estética não é alheia e que tem sido
responsável por várias afecções e não raras aberrações. Os milagres operados
pelas pistas tácticas ficam a dever-se à diversidade dos seus obstáculos e propósitos,
ao respeito salutar pelos mais elementares princípios pedagógicos de ensino e à
qualidade dos mestres de campo, gente experimentada na arte de ensinar cães e
que disso faz uma verdadeira paixão, indivíduos que vieram para servir e que
nisso se sentem bem, ainda que por vezes não sejam compreendidos, porque não
esperam retribuição e sempre procuram o aprimoramento.
Uma pista táctica digna desse nome
deve estar equipada com obstáculos típicos para os cachorros, ter um perímetro
exterior de aquecimento, um conjunto de aparelhos para a correcção morfológica,
obstáculos de diferente índole e outros específicos para o desenvolvimento
interdisciplinar, ser um simulacro das acções reais que o cão terá pela frente
e que exigem a sua pronta resolução. Pensar e agir ao contrário, é desejar que
o cataclismo surja para que o treino aconteça. Situações destas fazem lembrar
aquele crente pouco crédulo que só se lembrava de Santa Bárbara quando a
borrasca estoirava.
Apesar das múltiplas vantagens que as
pistas tácticas oferecem, o seu número é diminuto quando comparado com as de
competição, facto que se fica a dever ao seu custo, à escassez de técnicos
capazes e à ignorância de grande parte dos proprietários caninos, mais
interessados naquilo que os cães têm para lhes dar do que em dar-lhes subsídios
de longevidade.
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