terça-feira, 22 de maio de 2012

QUARTO DE VOLTA: O REGRESSO DO SOLDADINHO DE CHUMBO

Lá, por onde andaram franceses e ingleses pelo domínio da Europa no Séc.XIX, numa localidade onde os seus moradores insistem em trocar a acentuação tónica do seu nome, num sítio remoto, nada convidativo e mal apetrechado, assistimos ao regresso do soldadinho de chumbo, quiçá tornado efeméride por força do seu passado histórico. Estamos a referir-nos ao uso e abuso do “quarto de volta” na disciplina de obediência canina, como se tal fosse premente, insubstituível ou carregasse vantagens nunca vistas. O movimento, tornado ali em “ordem unida”, lembra as intermináveis filas para o recebimento do “pré”, muito embora a continência acabe substituída pelo ajustar do cão com a mão.

Ainda que o movimento requerido tenha como objectivo a fixação do “alto, do “junto” ou a fixação exclusiva do cão na pessoa do seu condutor, já há muito que se descobriram modos mais eficazes e céleres para esses propósitos, tais como o recurso ao reforço positivo e a instalação do “meia-volta”, muitas vezes codificado como “volta” ou “roda” de acordo com o comando alemão “zurück”. O “quarto de volta”, quando usado sistematicamente, tende ao aumento do travamento e a contribuir para uma autonomia condicionada pouco visível e nalguns casos piegas, ficando isso a dever-se aos diferentes perfis psicológicos presentes nos cães. A somar a isto, porque o ensino canino é dinâmico, exige celeridade no cumprimento das ordens, procura a minimização do esforço humano e a maximização do esforço animal, não dispensando por isso a velocidade funcional inerente aos diferentes serviços a prestar pelos cães, o “quarto de volta” acaba por atentar contra tudo isto, o que de todo não é desejável.

É evidente que cada qual dentro da sua casa é rei e isso deve ser respeitado, no entanto e porque começámos por uma evocação histórica, interessa-nos manter o mote e usá-lo para uma melhor compreensão da problemática ligada à insistência no “quarto de volta”, evolução típica dos imóveis soldadinhos de chumbo que a foram beber aos exércitos regulares no apogeu da Revolução Francesa. Por culpa dos espanhóis que inventaram a guerrilha (do castelhano guerrilla: pequena guerra), o modo de guerrear alterou-se e a partir daí a derrota dos Franceses consumou-se na Península Ibérica. Exceptuando a praxis de alguns membros da histórica e extinta escola alsaciana, não sabemos se alguma vez o “quarto de volta” fez parte do currículo base da obediência a ministrar a um cão, mas se isso aconteceu algum dia, foi lá para os primórdios dos cães de utilidade e muito antes da II Guerra Mundial, porque a partir daí tal nunca foi visto, já que as inversões do sentido de marcha sempre aconteceram de modo mais pronto pela “meia-volta” e resolvidos os “quartos” pelo auxílio do “junto”, nomeadamente nas evoluções de “direita e esquerda volver”, comandos militares e por isso mesmo distantes das práticas civis.


Assim como o “troca” (tauschen) exige nos ensinos dinâmico e nuclear modos mais céleres que não dispensam a rotação de tronco que possibilita a condução a duas mãos direccionais, também o “quarto-de-volta” deverá ceder lugar a outras formas de “junto” que garantam o mesmo propósito (o “junto instantâneo” por pirueta ou o confirmado a partir do ladear). Assim como a prontidão dos ataques deve ser igual à sua cessação, também qualquer imobilização deverá garantir a partida automática para a acção. O uso abusivo das figuras de imobilização, muitas vezes usurpando o lugar da ginástica nos 1º e 2º Ciclos Infantis (dos 4 aos 6 meses e dos 6 aos 8 meses), tem funcionado como um inibidor da velocidade e castrado muitos cães para um conjunto de acções necessárias às restantes disciplinas cinotécnias, inutilizando assim a sua vocação, propensão natural, mais-valia e complementaridade. Por outro lado, o abuso da toada “alto e pára” que o “quarto-de-volta" propicia acabará por enfraquecer os impulsos herdados que garantem a defesa do dono e dos seus bens, particularmente na sua ausência, graças à exagerada submissão operada que obstará a qualquer autonomia pretendida. E como importa dar a cada um o que é seu e a César o que é de Cesar, os adeptos do “quarto-de-volta” deveriam uniformizar os seus alunos com fardas de cotim ao invés dos comuns fatos de treino.

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