sexta-feira, 26 de julho de 2013

BELA GUTTMANN, O FADO LISBONENSE E OS CULPADOS DO COSTUME

NOTA INTRODUTÓRIA: Este artigo, publicado agora com algum atraso, remonta aos dias imediatamente à seguir à derrota do S.L.Benfica frente ao Chelsea de Londres a contar para a Champions League da época transata.
Mesmo que a queiramos ignorar, não podemos desconsiderar a força do futebol entre nós, porque o País pára quando algum dos “grandes” defronta outro lá de fora, aproveitando as televisões esse entusiasmo para aumentar as audiências, dedicando ao “desporto-rei” intermináveis horas de emissão. Aqui e ali surgem nas praças ecrans gigantes, os políticos associam-se à “coboiada”, a cerveja corre a rodos, reina o silêncio e as ruas ficam desertas pouco antes da hora dos jogos, dando a sensação que a “redenção” está prestes a chegar ou que a “glória” se encontra a um passo. Assim é em Lisboa, uma cidade controversa que bem depressa se dá a conhecer, particularmente quando joga o Benfica. Acostumados à sua sina, porque há mais de cinquenta anos que os benfiquistas não ganham um troféu internacional (uma Taça Uefa ou a Liga dos Campeões), mais uma vez, agora perante a derrota frente ao Chelsea, soaram os acordes do fado da desgraça e urgiu encontrar um responsável, sendo ele, neste caso ela, a maldição de Bela Guttmann, idéia também abraçada por alguns jornais desportivos estrangeiros que a usaram nas suas parangonas. Mas o mais curioso disto tudo, é que um jornalista televisivo português, quiçá descendente de algum ignoto marrano ou cristão-novo, para realçar o papel da dita maldição, disse-a proveniente do “judeu” Bela Guttmann, como se ela fosse mais eficaz vinda de um hebreu e os judeus continuassem a causar todas as desgraças, mesmo depois do decreto da sua expulsão, acontecido há cinco séculos atrás. Hábitos antigos que tornam actual o refrão da canção da Ala dos Namorados: “ São os loucos de Lisboa/ Que me fazem duvidar/ Que a Terra gira ao contrário/ E os rios nascem no mar”.
A maldição do agora tornado proscrito Bela Guttmann, até aqui um simples húngaro, falecido em 1981, remonta ao ano de 1962, quando conquistou como treinador do Benfica a segunda Taça dos Campeões Europeus e disse que o Clube da Águia jamais voltaria a ganhar uma final europeia sem ele, vaticínio que até hoje tem vigorado para desespero das hostes benfiquistas. Aquilo que o homem proferiu em exaltação tem sido aproveitado como maldição, como razão oculta para menos valias à vista de todos. A este “Judeu” muito deve o Benfica, porque com ele foi bicampeão nacional (1959-1960 / 1961-1962), ganhou uma Taça de Portugal (1961-1962) e duas Taças dos Campeões Europeus, respectivamente em 1961 e 1962, elevando o nome do Clube da Luz por essa Europa fora. Como treinador foi ainda campeão húngaro duas vezes e ganhou uma taça, deu ao São Paulo um Campeonato Paulista, ao Millan um Campeonato Italiano e ao F.C.Porto um título de Campeão Nacional. Afortunadamente os tempos são outros e o homem não se encontra aqui sepultado, porque doutro modo desenterrariam os seus ossos e queimá-los-iam à vista de todos, tal como sucedeu com Garcia de Orta. A “habilidade” do jornalista desportivo português traz-nos à memória  “A Matança da Páscoa”, “O Massacre de Lisboa” ocorrido em 1506, quando um grupo de fradecos, designados por dominicanos, exaltou os ânimos populares e responsabilizou os judeus da Capital pela peste, pela fome e pela seca que então grassavam. Como resultado disso foram mortos milhares de judeus. Como este “Pogrom”, apesar de realçado por eminentes historiadores (Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Garcia de Resende), nunca constou da História a ser ensinada nas escolas, é de todo conveniente ler o relato que Damião de Góis trouxe até nós.

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