Falar sobre cães é falar sobre indivíduos, tarefa
que não é fácil atendendo às diferenças existentes dentro das mesmas raças ou
grupos somáticos. O facto dos cães substituirem facilmente instintos por
rotinas assimiladas também em nada ajuda, porque muitas vezes não sabemos se as
suas reacções são espontâneas ou condicionadas, naturais ou fruto da coabitação
com os seus donos (ambientais). E porque estamos a falar de comportamento, os
diferentes grupos somáticos caninos actuam de modo diverso consoante o objecto
para que foram criados, tipo de relacionamento e particular habitacional. Por
isso sempre será mais fácil estudar os dingos ou qualquer outro canídeo
selvagem. A ciência só agora se está a debruçar afincadamente sobre esta
matéria, as respostas são vagas e os novos cientistas, na sua maioria, não
privaram de perto ou não tiveram o privilégio da companhia de um cão, antes da
sua formação académica (só há pouquíssimo tempo conseguiram provar e concluir que
lobos domésticos também possuem emoções e sentimentos).
Se
entendermos o luto como um conjunto de reacções a uma perda significativa,
teremos que reconhecer, em simultâneo, que quanto maior fôr o apego ao ser
desaparecido maior será o sofrimento de luto, muito embora ele possa também acontecer
diante da perca de privilégios, condições e regalias, enquanto desgosto
manifesto em rara infelicidade. Sobre este último caso, lembramo-nos dum Pastor
Alemão que costumava dormitar debaixo dum salgueiro-chorão (salix babylonica) e
adormecer na companhia dos passarinhos. Em determinada ocasião, cumprindo
ordens, o jardineiro da casa podou a árvore até a deixar careca (sem folhas),
para arranjar espaço para o estacionamento das viaturas familiares. Durante
alguns dias o pobre cão sentava-se defronte do salgueiro, por tempo
considerável, perplexo e abatido. A sua alegria acabou por voltar na Primavera
seguinte.
Os cães
tornados de “trabalho” são mais ligados aos donos do que aqueles que são
jogados em quintas, sofrendo em demasia quando os donos desaparecem, podendo
inclusive enveredar pela letargia, não resistir ao luto e morrer poucos dias
depois. Há quatro décadas atrás assistimos à morte dum cão militar num canil de
abrigo que pura e simplesmente deixou de comer e beber, apesar de ter um
habitáculo só para si e de tudo ser feito para o salvar (prò bem dos cães,
convém que aceitem a autoridade e liderança de uma segunda pessoa, porque tal
pode salvar-lhes a vida).
Os cães de caça e os territoriais, pese embora as
diferenças de prestação e comportamento, tendem a um luto prolongado, os
primeiros porque perdem a liderança e os segundos porque lhes falta o amigo.
Mais tarde, confusos, irão desinteressar-se do serviço que desempenharam até
ali, podendo rebelelar-se como acontece com os dominantes ou simplesmente
desinteressar-se como é próprio dos submissos. Os cães toys ou miniatura, mercê
da necessidade constante de protecção e de múltiplos cuidados, que os reveste e
investe de um estatuto quase humano, tendem a um luto bastante sofrido e
pungente. E o que dizer dos poodles e dos borders, cujo luto não escapa à vista
de ninguém?
Esse enorme sentimento de perca que convencionámos
chamar de luto, tem sido responsável por caminhadas intermináveis na procura da
casa ou dos donos, algumas bem sucedidas e outras não, havendo alguns cães que
sucumbiram durante o trajecto ou pouco tempo depois de regressarem ao local de
partida, acontecendo isso por cansaço, desalento ou pela combinação de ambos. E
porque estamos cá para aconselhar, se tem um cão territorial e trocou
recentemente de casa, evite ausentar-se por muito tempo, porque a troca de
território e a ausência da liderança podem induzi-lo ao luto. Não restando
outro remédio, convém manter-lhe as rotinas e rodeá-lo dos seus pertences.
O luto canino não é um mito nem resulta de um
engano ou esforço antropomórfico, ele existe e acontece todos os dias um pouco
por toda a parte, quando algum cão perde algo que lhe é querido, o que pode
induzi-lo à apatia e até a morte, casos destes não faltam! Ao contrário do que sempre ouvimos, à guisa de
compensação, assim como existem pessoas insubstituíveis, também existem cães e
eles sabem muito bem quem lhes é benquisto e a quem devotam as suas vidas. Nos
cavalos reconhecemos nobreza e nos cães gratidão, a ambos muito deve o homem.
Apesar disso, o luto do cavalo será menos duradouro do que o do cão, porque a
parceria é diversa e o último contiunará a fazer tudo para nos agradar,
desnecessitando de freio, gamarra ou
esporim, ele vai para além do “sol,campo e palmada na garupa”, pois insisite em
viver ao nosso lado. Porque carga de água fomos “inventar” o cão?
Sem comentários:
Enviar um comentário