domingo, 21 de junho de 2009

::: O Cão em casa :::

Não pretendemos plagiar a obra de Theo Gygas: “ O cão em nossa casa”, porque foi farta em edições e o nosso tema é outro. Já não me lembro bem porquê, há alguns anos atrás, fui visitar a casa de um próspero armador em Peniche, junto com uns amigos, num passeio de fim de tarde. Fomos recebidos com alguma cerimónia e convidados de imediato para a amostragem da casa. Tratava-se uma moradia arejada, ampla, de dois pisos, com garagem, circundada por um jardim empedrado. O bom gosto dos proprietários não era o melhor, mas em tudo era visível a ostentação, desde os cortinados até aos electrodomésticos, passando pelos móveis até aos luxuosos soalhos. Tal qual jóia da coroa, ali tudo brilhava, exalando um inviolado cheiro a novo. A casa parecia novinha, à estreia, obrigando-nos a todos os cuidados, como se caminhássemos entre cristais, não fosse alguma coisa partir-se. Permanecemos de pé, circunspectos, seguindo os proprietários, tal qual turistas em visita guiada, apesar dos sofás serem bastante convidativos. Já farto de tanta opulência, abeirei-me de uma janela que dava para as traseiras. E para espanto meu, deparo-me com um piso térreo, disposto ao longo do muro, composto por várias divisões. Como mais tarde vim a saber, era ali que aquela gente vivia, naquele anexo de ar gasto e desleixado, deixando a casa para o deslumbre das visitas. As décadas passam, mas continua viva a memória dessa excursão. Aquela gente não tinha cão e nem poderia, mas se o tivesse, onde o colocaria? Certamente na praia, acorrentado a um dos barcos ancorados, esgueirando-se ao sol pela sombra da quilha. Antes de tratarmos da instalação doméstica dos cães, importa destacar o seu primeiro passo: a escolha do animal, considerando o indivíduo, a raça e a evidência das suas necessidades específicas, contrapondo, ao mesmo tempo, aquilo que temos a oferecer, para transformar a aquisição do cão num “casamento feliz”. É doloroso (para evitarmos maiores afrontas), ver cães de caça confinados em apartamentos, privados da excursão e condenados ao passeio higiénico. No meio do stress e debaixo da infelicidade, safa-se a gula, os cães medram que nem nabos e mais cedo a morte os colhe. Como o cão não nasceu para estar preso, a nossa disponibilidade deve ser considerada, não causar vítimas e apostar no bem-estar animal. Apesar da excursão ser um direito e uma necessidade de todos os cães, por vezes, mais vale optar por um cão territorial, um pouco maior, do que por um mais pequeno, com forte instinto de caça. E porque somos adestradores, ainda que amadores, abordaremos a instalação doméstica pelo desenvolvimento do sentimento territorial, mais-valia canina que torna possível a parceria entre homens e cães. É prática comum, entre aqueles que possuem quintas e moradias, despejar de imediato o cachorro no canil, logo após a sua aquisição, como se aquele lugar fosse o mais apetecível aos olhos do animal. Aqueles donos que se encontram remetidos em andares e apartamentos, sempre encontram, em varandas e cozinhas, o espaço ideal para alojar o recém-chegado amigo de quatro patas. Outros há, que largam os cachorros em grandes extensões territoriais, julgando encontrar nelas o paraíso para o futuro guardião. Infelizmente, todos eles estão enganados, podendo causar com isso, problemas psicossociais que atentarão contra o salutar desenvolvimento do seu fiel amigo. A somar a isto, pode acontecer e não raramente acontece, a inutilidade do animal para a tarefa pretendida.
Raptar um cachorro da mãe e abandoná-lo a si próprio, numa idade em que não sabe cuidar de si, quando carece de identificação e da protecção do bando, é no mínimo criminoso! Com quem irá aprender a lutar e a defender-se, quem o alertará para os perigos e lhe dirá quais os seus inimigos? O cão não sobreviveu para estar só! É isso que fazemos quando o afastamos de nós antes da idade da cópia. A seguir ao imprinting, é importante acompanhar o ciclo infantil que decorre até aos 4 meses de idade, pois ele influenciará positiva ou negativamente o comportamento futuro do cachorro, porque fará parte da sua experiência directa e determinará o seu posicionamento social entre iguais e perante espécies diferentes. Entregar um cachorro aos seus instintos de sobrevivência não é a melhor das pedagogias, por certo não andamos à procura de um animal esquivo e selvagem.
Para que haja um desenvolvimento objectivo do sentimento territorial, é preciso que seja o cachorro a escolher o primeiro dos seus territórios e não o seu dono! Essa escolha é de suma importância, porque clarifica qual o perfil psicológico do cachorro e os cuidados a haver com ele, tendo em vista o trabalho a que se destina. Cachorros que dormem debaixo da cama dos donos, rapidamente os defendem. A constituição do binómio é algo que floresce antes do treino propriamente dito e que resulta geralmente de uma excelente instalação doméstica.

Somos conhecedores do rosário dos cocós e chichis, dos pêlos e dos danos causados pelos cachorros: ossos do ofício! Lembro aqui um episódio verídico, o ocorrido com o Pároco de um vilarejo saloio, que farto de apanhar cocós do seu cachorro, o entregou a um vizinho, merecendo deste o seguinte comentário: Esperava vossa Reverência que o cachorro borrasse para o céu?

Para que a instalação doméstica seja bem feita, ela deve ser desenvolvida em três fases, sendo a primeira operada dentro da casa dos donos, a segunda no jardim e uma última na propriedade a defender. Quando assim procedemos, alcançamos melhores resultados e colhemos melhores frutos, pois não trabalhámos em vão.
No entanto, uma pergunta surge: quando se passará de uma fase para a outra? Só o cachorro nos pode dizer quando. Quando ele abandona a companhia dos donos e se vai deitar à porta da entrada e ali permanece alerta, dias depois, é chegado o tempo de o instalar no jardim. Quando estiver no jardim e manifestar desejo de bater o restante território, é chegada a hora de lhe abrir a cancela. Resumindo, uma boa instalação doméstica acontece de acordo com o crescimento do cachorro, nunca pelo decreto do seu proprietário. Só assim não se atentará contra as desejáveis maturidades. Meus amigos, a verdade é esta: enquanto os homens falarem pelos cães, dificilmente os últimos serão ouvidos!

Infelizmente há quem pense, que o canil está para o cão, como o chiqueiro para os porcos ou a capoeira para as galinhas, o que não é verdade e tem os seus custos, pagos maioritariamente pelo animal. Assim como o cão-pastor dorme no curral, o cão de companhia deve permanecer em casa, desde que o deseje e se sinta feliz.

A adopção de um cachorro deve ser uma opção familiar e nunca o desejo isolado de um dos seus membros. Temos notícia de cães que participam em brigas domésticas. Quem condenaremos: o autor moral ou o material, o instigador ou o instigado? Geralmente paga o justo pelo pecador. Se pretende adquirir um cão, informe-se e procure conselho, saiba que um cão dá tanto trabalho como um filho, é bom estar preparado. Honestamente, se não tem tempo para um cão, não o desperdice na sua aquisição. A adopção é um acto sério, responsável e nem todos estão prontos para isso. A parceria canina é exigente, requer paixão e muita atenção, obriga à coabitação e sobrevive pela disponibilidade. Sem dúvida que o preço é elevado, mas não nos arrependemos disso, porque o amor jamais regressa de mãos vazias.

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