Como
introdução ao tema importa dizer que, enquanto indivíduos, há
cães que não servem para toda a gente e vice-versa, dependendo isso do
antagonismo e da conflitualidade entre as expectativas de vida de uns e o
perfil psicológico de outros. A obediência incondicional de um
cão, apesar de difícil, é possível mas não deverá atentar contra os instintos
ligados à sua sobrevivência, assim como reduzir a sua autonomia e capacidade de
resolução, factores que ao serem desconsiderados transformariam o cão num robot
superdependente e por isso mesmo incapaz de reagir sem ordem expressa, o que de
certa forma já sucede nos cães domésticos (Canis familiaris).
É
o condicionamento que viabiliza este grau de obediência, que ao ser alcançado,
poderá vitimar o animal diante da ausência temporária ou do desaparecimento
definitivo do seu líder, nomeadamente se o seu controlo e accionamento forem
prerrogativas exclusivas deste, só comendo ou bebendo debaixo de ordem para o
efeito. Diante destes riscos, considerando o bem-estar dos cães, há que
considerar se tal obediência se justifica e é absolutamente necessária, uma vez
que serão os animais a pagar o seu altíssimo preço. Depreende-se assim que a obediência incondicional só deverá ser procurada nas
ordens que funcionam como subsídio ou acréscimo da salvaguarda dos cães,
protecção e mais-valias que jamais alcançariam instintivamente.
O
condicionamento que leva à obediência incondicional de um cão aproveita,
desenvolve ou potencia três condições prévias presentes no animal – um carácter forte,
um
excelente impulso herdado ao conhecimento e uma extraordinária capacidade de
interacção – simbiose que na maioria dos casos não dispensa também
uma boa instalação doméstica. Como a obediência incondicional, enquanto imposição
resultante de um processo de subordinação, está para além da parceria pura e
simples, prestando-se em primeira mão à ratificação da obediência, os cães mais
frágeis de carácter não deverão ser para ela convidados e nenhuma das ordens a
instalar-lhes deverá ter um carácter imperativo, já que o stress provocado só
agravaria a sua já frágil condição e precário bem-estar.
O
histórico carácter imperativo das ordens, agora praticamente em desuso e
substituído pelo método lúdico-científico a que se convencionou chamar de “reforço positivo”, ao abster-se de
categorizar os cães e de lhes exigir condições prévias, acabou
por tornar possível o treino global de todos aqueles até aqui desprezados, hoje
maioritários, animais sem raça, provenientes da selecção natural ou de
cruzamentos acidentais, que apesar de muito gratos aos seus
resgatadores e donos, dificilmente suportam comandos inibitórios, o controlo dos
seus instintos, situações adversas e de privação.
A obediência incondicional, exactamente como a reeducação (executada obrigatoriamente por estranhos),
são processos pedagógicos que não dependem do estreitar dos laços afectivos
entre condutores e cães, laços esses que podem até obstar à sua instalação,
caso os cães persistam em entender os seus condutores como
amigos ou iguais e não como mestres. Quando se fala na aquisição
de uma obediência inquestionável e a toda a prova, a resistência ao suborno e
aos apelos naturais são currículo obrigatório e muitas vezes indispensável para
certos trabalhos caninos.
Por outro lado, quem é portador de um cão que morde por modo próprio, para onde está virado e para cima de quem lhe apetece, sinal de uma liderança imprópria e incapaz de controlá-lo, ver-se-á obrigado a mudar de atitude e a controlá-lo sem reticências, a enveredar por uma obediência incondicional capaz de cessar peremptoriamente todas as investidas instintivas do animal, através de um condicionamento próprio e continuado que garanta a submissão gradual do cão a partir da experiência directa, processo pedagógico que não se compadece com a menor das falhas. Doutro modo, caso o dono seja responsável e honesto, é melhor andar com o cão açaimado e esquecer-se da sua condução em liberdade ou entregá-lo aos bons ofícios da reeducação, que está cá para isso.
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