quinta-feira, 29 de julho de 2021

OBEDIÊNCIA INCONDICIONAL: MITO OU POSSIBILIDADE

 

Como introdução ao tema importa dizer que, enquanto indivíduos, há cães que não servem para toda a gente e vice-versa, dependendo isso do antagonismo e da conflitualidade entre as expectativas de vida de uns e o perfil psicológico de outros. A obediência incondicional de um cão, apesar de difícil, é possível mas não deverá atentar contra os instintos ligados à sua sobrevivência, assim como reduzir a sua autonomia e capacidade de resolução, factores que ao serem desconsiderados transformariam o cão num robot superdependente e por isso mesmo incapaz de reagir sem ordem expressa, o que de certa forma já sucede nos cães domésticos (Canis familiaris).

É o condicionamento que viabiliza este grau de obediência, que ao ser alcançado, poderá vitimar o animal diante da ausência temporária ou do desaparecimento definitivo do seu líder, nomeadamente se o seu controlo e accionamento forem prerrogativas exclusivas deste, só comendo ou bebendo debaixo de ordem para o efeito. Diante destes riscos, considerando o bem-estar dos cães, há que considerar se tal obediência se justifica e é absolutamente necessária, uma vez que serão os animais a pagar o seu altíssimo preço. Depreende-se assim que a obediência incondicional só deverá ser procurada nas ordens que funcionam como subsídio ou acréscimo da salvaguarda dos cães, protecção e mais-valias que jamais alcançariam instintivamente.

O condicionamento que leva à obediência incondicional de um cão aproveita, desenvolve ou potencia três condições prévias presentes no animal – um carácter forte, um excelente impulso herdado ao conhecimento e uma extraordinária capacidade de interacção – simbiose que na maioria dos casos não dispensa também uma boa instalação doméstica. Como a obediência incondicional, enquanto imposição resultante de um processo de subordinação, está para além da parceria pura e simples, prestando-se em primeira mão à ratificação da obediência, os cães mais frágeis de carácter não deverão ser para ela convidados e nenhuma das ordens a instalar-lhes deverá ter um carácter imperativo, já que o stress provocado só agravaria a sua já frágil condição e precário bem-estar.

O histórico carácter imperativo das ordens, agora praticamente em desuso e substituído pelo método lúdico-científico a que se convencionou chamar de “reforço positivo”, ao abster-se de categorizar os cães e de lhes exigir condições prévias, acabou por tornar possível o treino global de todos aqueles até aqui desprezados, hoje maioritários, animais sem raça, provenientes da selecção natural ou de cruzamentos acidentais, que apesar de muito gratos aos seus resgatadores e donos, dificilmente suportam comandos inibitórios, o controlo dos seus instintos, situações adversas e de privação.

A obediência incondicional, exactamente como a reeducação (executada obrigatoriamente por estranhos), são processos pedagógicos que não dependem do estreitar dos laços afectivos entre condutores e cães, laços esses que podem até obstar à sua instalação, caso os cães persistam em entender os seus condutores como amigos ou iguais e não como mestres. Quando se fala na aquisição de uma obediência inquestionável e a toda a prova, a resistência ao suborno e aos apelos naturais são currículo obrigatório e muitas vezes indispensável para certos trabalhos caninos.

Por outro lado, quem é portador de um cão que morde por modo próprio, para onde está virado e para cima de quem lhe apetece, sinal de uma liderança imprópria e incapaz de controlá-lo, ver-se-á obrigado a mudar de atitude e a controlá-lo sem reticências, a enveredar por uma obediência incondicional capaz de cessar peremptoriamente todas as investidas instintivas do animal, através de um condicionamento próprio e continuado que garanta a submissão gradual do cão a partir da experiência directa, processo pedagógico que não se compadece com a menor das falhas. Doutro modo, caso o dono seja responsável e honesto, é melhor andar com o cão açaimado e esquecer-se da sua condução em liberdade ou entregá-lo aos bons ofícios da reeducação, que está cá para isso.

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