segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TARDE PIASTE!

A expressão acima é tipicamente beirã, duma região onde Portugal assenta as suas raízes mais profundas e é aplicada a todo o indivíduo que chega tarde, não falou atempadamente ou que perdeu a oportunidade há tanto esperada, alcançando por isso mesmo uma situação irremediável. O adestramento renova-se a cada dia, vai adiante pelos avanços da etologia, estuda a antrozoologia, usufrui do conhecimento genético, adapta-se aos novos desafios do quotidiano e actualiza-se pela contribuição das novas tecnologias. Desprezar as novidades ou avanços colaterais que podem subsidiar e optimizar a arte de ensinar cães é também piar tarde demais, permanecer num pretenso puritanismo típico de outras eras, geralmente abraçado por sectários e normalmente remetido aos museus de cariz etnográfico, porque os diferentes métodos em uso nas actuais escolas caninas são somente metas para o alcance de distintos objectivos, muitos deles já desactualizados ou deslocados e outros alcançados a tosco modo, cujo secretismo não consegue esconder práticas ou técnicas menos conseguidas e por conseguinte violentas para os cães. Assim como nenhum método é perfeito, também nenhuma escola conseguirá alicerçar-se sem o contributo de algum, porque as lacunas ou dificuldades que apresenta aguçam o engenho, levam à descoberta que induz à inovação e procedem à sua lapidação. O método enquanto meta para o alcance dos objectivos sempre estará cativo à realidade histórica do seu tempo, preso ao momento da sua adopção e às expectativas humanas dessa época. Nos nossos dias onde a informação dispara ao ritmo das balas e quase tudo é mutável, o que dificulta deveras a nossa adaptação e é também causa de muito desastre por força do desajuste pergunta-se: será desejável manter incólumes os métodos de treino caninos como até aqui? Responderão eles aos novos desafios e garantirão por si mesmos a salvaguarda dos cães? Tempos houve em que essa salvaguarda foi por demais omitida, cite-se como exemplo e não foi o único, o uso que lhes deram os russos por ocasião do cerco de Stalingrado. A relação homem-cão alterou-se desde então, continua a não dispensar a cumplicidade que gera a parceria, mas tem vindo a substituir o uso pelo bem-estar que garante a companhia, ainda que à posteriori possam ser exigidos aos cães tarefas milenares ou outras de acordo com a novidade dos tempos (finalmente o cão ganhou direitos, apesar de continuar legalmente entre nós como um pertence do dono, tal qual um frigorífico ou uma prótese). A aposta na salvaguarda canina é agora o objectivo primeiro e central do adestramento e a sua substituição, para além de poder promover a quarentena ou o abate dos animais, poderá reavivar ainda o tempo em que os homens andavam a jogar ao pau com os ursos!
Tem sido a procura da optimização na comunicação que tem norteado o avanço dos métodos ou a sua novidade (procura-se hoje o aproveitamento de todos os cães e não somente os benefícios específicos presentes nalguns). Contudo, em todos eles subsiste a necessidade de reavivamento dos códigos e persiste a dificuldade na comunicação à distância, quando os donos se encontram ausentes ou longe da vista dos animais, porque as adaptações produzidas pelo treino, sendo artificiais, não têm igual duração, sucumbem perante a ausência das rotinas e muitas delas carecem da presença activa da liderança para o seu despoletar ou cumprimento, insuficiências que continuam a limitar quer o tempo quer a operacionalidade dos cães ditos de trabalho, transformando desse modo as suas tarefas num jogo de sorte e azar. Por causa disso, infelizmente, vemo-nos sujeitos a um policiamento canino condicionado e de curta duração, à menos valia do cão perante a superioridade binomial e entregues à esperança que espera o acerto. Por melhor adaptado ou equipado que esteja um cão, quando isolado e entregue a si próprio no desempenho de tarefas específicas, a sua ineficácia e vulnerabilidade não deixarão de aumentar, o que geralmente coloca em risco tanto o serviço quanto a sobrevivência do animal, logro que não queremos e destino que abominamos. Assim, o isolamento dos cães relativo à liderança tem sido responsável por um sem número de descalabros e desastres, desventuras que não têm poupado cães e pessoas, ceifando vidas, penalizando inocentes e gorando expectativas. Torna-se mais do que evidente a necessidade da omnipresença do dono sobre toda e qualquer acção canina, garantindo dessa forma a operacionalidade dos cães e a sua sobrevivência, labuta fisicamente inalcançável e um paradoxo perante a procura da complementaridade animal. Como poderemos fazer-nos sempre presentes mesmo estando ausentes?

Importa primeiro classificar o trabalho escolar como oficinal (essencial, básico, genérico e primário), que apesar de não poder ser dispensado e ser uma meta a respeitar, sempre será inconsequente se não produzir alteração e não transitar para a realidade adjacente à instalação e serviço dos cães transformados em alunos, pois é na escola que acontece a sua codificação e se envereda pelo concurso das diferentes linguagens (gestual, sonora e verbal), consoante a evolução dos distintos membros de cada binómio e a natureza dos seus encargos. Como a supremacia da linguagem verbal sobre a gestual é indubitável, considerando a brevidade das respostas, ela jamais deverá ser abandonada, porque será a responsável pelo transporte de homens e cães para outras formas de entendimento recíproco, abrindo em simultâneo novas portas e apossando-se da novidade tecnológica ao alcance de cada um. Entretanto, importa não desvalorizar a importância da mímica, apesar dela não prescindir da presença física dos condutores, porque pode garantir ao mesmo tempo a coabitação harmoniosa do cão em sociedade e todo um conjunto de acções ofensivas ou defensivas silenciosas, perceptíveis para quem as executa e imperceptíveis para quem abusa. Tanto o apito de ultra-sons como o clicker servem exactamente o mesmo propósito e são geralmente usados e bem sucedidos nas situações de retorno e nos automatismos de travamento ou imobilização. Como estas formas de linguagem sonora não dispensam a presença do emissor e sem ele não há emitente, elas só são válidas até onde se fizerem ouvir. Não obstante (mais o clicker do que apito ultra-sons), podem constituir-se em meios eficazes para a obtenção da esperada codificação escolar (quando associados à recompensa).
Todos já tomámos conhecimento do trabalho operado por distintos biólogos com uma ou várias espécies animais, especialmente com aquelas menos conhecidas ou em vias de extinção, quando colocam nos indivíduos dessas espécies coleiras sinalizadoras ou emissores de vária ordem que possibilitam o seu controle e detecção por ondas rádio ou por satélite, o que lhes garante um estudo mais aproximado dos seus hábitos, número de exemplares e distribuição geográfica, esforço em tudo suportado pelo avanço tecnológico ao seu dispor. Se invertermos a polaridade dessa novidade e dela fizermos uso, alcançaremos eficazmente um melhor controlo dos nossos cães e melhor garantiremos a sua salvaguarda, à distância e quando ausentes, exactamente nos momentos de menor desempenho e maior vulnerabilidade para os animais (quando isolados). Neste momento estamos a transitar os comandos verbais para mensagens telefónicas ou radiofónicas, valendo-nos para isso de walkie talkies e telemóveis, usando preferencialmente os segundos pelo menor alcance dos primeiros, acessórios que colocamos nos coletes de pistagem ou nos próprios para o passeio dos cães. No caso dos telemóveis, como podemos seleccionar vários toques para o mesmo destinatário e substitui-los por distintas mensagens de voz, estamos a proceder à substituição dos comandos por mensagens telefónicas e a habituar os cães à novidade emissora. Como esta fase experimental se tem revelado animadora e os resultados surpreendentes, a comunicação via telemóvel virá a fazer parte do currículo normal a ministrar a todos os binómios desta Escola.
As vantagens deste tipo de ensino, em tudo dependentes do prévio trabalho oficinal a desenvolver em classe, são imensas e dão resposta às mais variadas situações a que os animais se encontram sujeitos, efectivando-se como normas e subsídios para o seu trabalho e sobrevivência. Imagine-se o caso dum cão que se perde ou desnorteia, por razão instintiva ou devida à novidade territorial. Com um simples toque se avisa a quem pertence e quem deve ser contactado, evitando-se dessa forma o seu abandono acidental e possível abate. Também o cão guardião tendencialmente guloso poderá ser constantemente alertado para a recusa de engodos e o menos disponível para o despoletar das acções, com o dono dentro de casa e entregue aos seus afazeres. Mediante o telemóvel é também possível ordenar operações de “ronda” com o dono ausente ou entregue a compromissos sociais de vária ordem, quer se encontre dentro ou fora do País. Toda e qualquer manobra evasiva ou invasiva poderá ser despoletada por um simples toque, assim como qualquer acção ou a sua cessação. Para além disto e a validade deste tipo de ensino não se esgota aqui, poderemos ainda alertar à distância que não toquem ou dêem guloseimas ao nosso cão, bastando para isso “teclar” a mensagem certa. Não merecerá o cão ter um telemóvel? O avanço tecnológico serve vários fins e propósitos, subsidia qualquer actividade e facilita extraordinariamente a comunicação à distância, vantagem a considerar pela cinofilia e cinotecnia, enquanto vocações que se espraiam na comunicação interespécies. Se os pastores do passado/presente tivessem telemóvel, os seus braços, pernas e gargantas agradeceriam, pelo desuso das pedras, da correria e do assobio e os cães seriam poupados ao constante movimento de vai-vem na procura do retomar das ordens. Quem não aproveitar os avanços na tecnologia das comunicações pode piar tarde ou pior do que isso: chegar tarde, perder o pio e vir a ser ultrapassado.

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