terça-feira, 21 de abril de 2020

CAMINHADA DE GRATIDÃO

Eu não gosto de ser mauzinho, até porque não é esse o caso deste relato, mas parece-me que os pedintes modernos usam a Internet para desenvolverem a sua actividade, o que lhes poupa a lengalenga, as dores provenientes da mão estendida, o incómodo do vento nas portas das igrejas e o enregelar do rabo sobre as frias pedras das calçadas, muito embora sejam como as andorinhas, que surgem em maior número quando o tempo aquece. Se só houvesse inverno, estou convencido que grande parte dos pedintes acabaria por mudar de vida e procuraria trabalho, pelo menos os mais novos. Porém, como o problema é social, caberá às diferentes sociedades resolvê-lo e, se assim for, ainda sou capaz de ser também responsável pelo problema.
Antes de contar a história de Christian Lewis, sou obrigado a dizer que o Reino Unido não trata muito bem os seus veteranos e que a população em geral é pouco sensível aos seus dramas pessoais, não obstante ali haver a SSAFA, “The Armed Forces Charity”, uma associação que desde 1885 fornece suporte ao longo da vida aos veteranos dos 3 ramos das forças armas e às suas famílias, auxiliando também, quando necessário, aqueles que se encontram no serviço activo.
Christian é um pára-quedista veterano que ao desligar-se do serviço foi aumentar o número dos sem-abrigo. Graças ao empenho da SSAFA e à sua própria vontade ergueu-se, querendo agora angariar donativos, cerca de 1.000 libras (114.000€) para a associação que lhe valeu através de uma página de doação, prontificando-se a percorrer 14.000km por 300 ilhas na Grã-Bretanha, das quais apenas 16 são habitadas, caminhada que iniciou sozinho em 2017. No meio da jornada um galgo, a quem pôs o nome de “Jet” passou a acompanhá-lo (os galgos, de tão tristes que são, quando sofrem nem se dá por isso).
Quando estava prestes a concluir a sua jornada, Christian foi surpreendido com a existência da pandemia e acabou retido na Ilha de Hildasay, a morar na única barraca ali existente, cujos proprietários tiveram a deferência de dar-lhe as chaves da acomodação. Dele são as palavras: “A casa não tem electricidade ou gás, é muito simples. Mas não tem vento e tem uma boa lareira”. A somar a isto, o homem ficou apenas com 14€ no bolso. Obrigado a sobreviver, ele vive daquilo que a ilha tem para lhe oferecer. Por vezes recebe ainda comida de doadores que leram a sua história através do Twitter e do Facebook.
O objectivo da doação para a SSAFA já foi alcançado e o ex-pára-quedista militar agradece a todos quantos abraçaram a sua iniciativa e lhe valeram. Apesar de retido na ilha, Christian vê muitas coisas positivas na sua actual situação, descrevendo o lugar do seu cativeiro como “o melhor lugar para ficar preso!” Até hoje nada faltou ao galgo e o seu companheiro de viagem, depois de terminada a pandemia, espera continuar pela costa da Escócia, demore o tempo que demorar. Oxalá reflicta seriamente sobre a sua vida na estadia forçada em Hildasay (tempo não lhe irá faltar), que saia dali com metas e objectivos traçados, com o alento necessário para nunca mais voltar às ruas e sujeitar-se às míseras migalhas alheias. “"Ready for Anything?" (1). Queira Deus que sim!
(1)Mote dos pára-quedistas britânicos.

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