segunda-feira, 28 de julho de 2014

A QUINTA: INFERNO OU PARAÍSO?

Como o mundo que rodeia os cães está repleto de mentiras, falsas verdades e subjectividade, dedicamos a presente edição do Blog à denúncia de algumas delas, que apesar de socialmente bem aceites, são verdadeiros atentados contra o lobo familiar. Uma, que poucos contestam, muitos louvam e outros põem em prática, é a de relegar para uma quinta um cachorro ou um cão (geralmente de médio ou grande porte), para que venha a guardá-la. Diz-se que ali, por terem mais espaço para correr, os cães andarão mais à vontade, farão mais exercício e serão mais felizes, patranhas que não correspondem à realidade e que importa desmistificar, geralmente perpetradas por gente que nem um cão sabe escolher e que ainda por cima não tem tempo para ele. Para melhor se compreender a falsidade destes pressupostos, iremos analisá-los dos pontos vista psicológico, cognitivo social e físico, já que habitats destes produzem profundas alterações quer na morfologia quer no comportamento dos cães.
Do ponto de vista psicológico, se o cachorro ali passar a maior parte do tempo sozinho e entregue a si próprio, só sendo visitado esporadicamente por quem tiver a incumbência de o alimentar, o animal tenderá a assilvestrar-se e a não constituir vínculos afectivos mais fortes com os seus donos e restantes humanos, o que o tornará furtivo diante da sua presença e o vulnerabilizará nas situações em que irá necessitar de apoio, por ausência de mestres e precariedade de instintos, porque jamais conseguirá retornar ao lobo seu ancestral. Na divisão a grosso modo entre dominantes e submissos, os primeiros poderão tornar-se perigosos e os segundos nuns fantasmas, escondendo-se ambos perante a intrusão no seu território, muito embora não se afastem muito do local onde comem, especialmente quando a comida escasseia ou chega tarde e a más horas. Os dominantes bem depressa defenderão o seu penso e poderão atacar quem dele se aproximar.
Os submissos só comerão depois da ausência do “tratador”, podendo esperar pela noite para se alimentarem. Os mais valentes assinalarão a sua presença pelo ladrar ou pelo rosnar e os mais submissos esconder-se-ão como se ali não estivessem, os mais dominantes poderão carregar os visitantes à saída e os outros dificilmente se aproximarão deles. Em síntese, o mais excelente dos caracteres caninos poderá ser subvertido pela necessidade de carga instintiva que a quinta exige, devolvendo aos animais algumas características atávicas, pela ausência de liderança que induz à suspeição, há muito vencidas e que obstam à parceria com o homem, promovendo assim um retrocesso no entendimento mutuo que terá como consequência a ausência do préstimo canino.
Se do ponto de vista psicológico a quinta pode condenar a parceria canina e enraizar a suspeição, a desconfiança, o medo e os ataques de surtida nos cães, do ponto de vista cognitivo, como não poderia deixar de ser, iguais ou maiores danos lhes causará, mercê da experiência repetitiva e pobre que o local oferece e o isolamento fundamenta, reforçados ainda pelos achaques psicológicos atrás discriminados, enquanto entraves maiores para o salutar desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento. O isolado cão de quinta irá resistir a tudo aquilo que estiver para além do suprimento das suas necessidades básicas, ao abandono do seu território, a diferentes tipos de liderança e insurgir-se-á contra o modo mais dissimulado de condicionamento, porque experimentou a liberdade, tomou as rédeas do seu destino e não verá com bons olhos o desconhecido e aquilo que nunca experimentou, o que dificultará de sobremaneira a sua adaptação, aprendizado e desejável capacitação. Não foi pelo confinamento que os homens encetaram a domesticação dos lobos?
Condenado ao isolamento, dominado pela desconfiança e sujeito a uma experiência repetitiva e pobre, o cão da quinta tornar-se-á anti-social ou socialmente apático, porque a pseudo-autonomia o isentou da compreensão da hierarquia e da disciplina de grupo. Acostumado a agir por conta própria, mormente pelos instintos, ele irá resistir a qualquer tipo de autoridade dentro e fora do seu reduto, resistindo tanto ao norteamento como ao travamento. Quando obrigado a sair do seu território, por motivos imperativos, opor-se-á ao seu abandono e tremerá diante de toda a novidade circunstancial ou territorial, por insegurança e despreparo, podendo agredir quem com ele instar. Resistirá ao toque e tornar-se-á impacientemente diante observação, criando imediatamente barreiras à sociabilização, fenómenos que absorverá logo após a sua maturidade sexual. Nestas condições, os cães notoriamente submissos entrarão em estado letárgico e espreitarão oportunidade para se escaparem.
Se do ponto de vista social a quinta é um verdadeiro atentado para os cães, o que dizer do ponto de vista físico, já que apenas se irão mexer por imperativos ligados à sua sobrevivência e comodidade, desistindo progressivamente dos desafios que foram aceitando, à medida que se tornaram conhecidos e sem interesse. Com isso desprezarão o andamento natural intermédio – a marcha (andamento musculador por excelência), transitando do passo para o galope e estoirando-se rapidamente, o que acarretará em alterações morfológicas que originarão a supressão da massa muscular e incapacidades físicas ligadas à ausência de convexidade, também elas responsáveis por uma menor aptidão, por ritmos vitais mais elevados e consequentemente pelo seu envelhecimento precoce (encurtamento da sua esperança de vida). Que grande mentira é dizer que os cães de quinta fazem ali mais exercício! O facto de terem mais espaço para andar não significa que batam ou percorram amiúde o seu perímetro, já que por norma sucede o contrário.
E ainda nem falámos da higiene, factor muitas vezes responsável pelo envio de cães para quintas, já que muitos donos dispensam limpá-los e escová-los, esperando que a mãe natureza o faça, porque não querem ou não têm tempo para o fazer. A felicidade do cão na quinta é uma fábula com um final amargo, uma história sem moral e um verdadeiro inferno para os animais. Dependendo da sua extensão, na quinta estaria melhor uma cabra, uma vaca, um burro ou um cavalo, desde que o pasto não faltasse e tivessem onde se abrigar. Porque persistem alguns homens em “cowdogs” e em “weekend dogs”, só para os terem e depois os perderem? Melhor seria que se contentassem com um peixinho vermelho! 

DONOS NOCTÍVAGOS E CÃES ANSIOSOS

Na hora de adquirir um cão, mais depressa se aquilata das possíveis zoonoses do que das doenças que lhe podemos causar, porque primeiro pensamos no que ele tem para nos dar e só depois naquilo que lhe devemos. Cresce o número de pessoas noctívagas e cresce na mesma proporção do número de jovens que temos, gente que teima em deitar-se e em levantar-se, que trabalha à revelia do relógio natural e que faz da noite o seu período laboral por excelência, detestando depois levantar-se sem sentir o sol a bater-lhe na cara, episódio também decorrente da falta de pontualidade que entre nós sempre grassou. Alguns destes noctívagos só conseguem raciocinar a partir das 11 horas da manhã, porque até lá parecem não estar cá, como se fossem sonâmbulos obrigados a pairar.
Quando esta urbe decide ter um cão, irá obrigar o animal aos mesmos hábitos, apesar do bicho se reger pelo relógio biológico, alteração que não será fácil, pacífica ou inconsequente, porque tamanha reviravolta, sendo contra-natura, terá o seu preço, cujo montante o cão irá pagar! Donos noctívagos e cães ansiosos sempre andaram de mãos dadas, ainda que os primeiros não reconheçam de imediato a sua culpa e o reflexo das suas opções nos pobres animais, havendo ainda alguns que, ignorando por completo o mal que causam, vão queixar-se aos clínicos do seu comportamento, solicitando-lhes algo para os acalmar, como se eles houvessem nascido depravados, anómalos por via genética, vítimas de algum trauma desconhecido ou houvessem batido com a cabeça em qualquer lado!
O facto do cão ter poucos instintos e de não os seguir cegamente, sendo ao invés rico em personalidade, não implica que consiga abandonar por completo a sua condição de animal e que compreenda em absoluto o nosso mundo, vivendo como qualquer um de nós, apesar das diferenças visíveis na sua espécie. Ainda que se adapte com facilidade às nossas rotinas e modo de vida, ele encontra-se cativo às suas necessidades específicas e tenta coaduná-las com aquilo que temos para lhe oferecer. Quando não o consegue, ele vai continuar a tentar, a procurar modos para se manter um cão entre nós, porque não pode abdicar do que é, não consegue ultrapassar as suas limitações e vai fazê-lo ao longo de toda a sua existência. Quando o seu esforço se torna inglório, por via dos transtornos presentes na sua experiência de vida, ligados à insatisfação e ao desrespeito pela sua condição biológica, o stress levá-lo à ansiedade, afecção que comprometerá o seu bem-estar, comportamento e posterior aproveitamento.
As décadas que levamos de ensino levaram-nos a constatar que a maioria dos cães ansiosos provinha de donos que se levantavam tarde e que faziam da noite o seu período de maior actividade, apesar dos lobos, ancestrais dos cães, caçarem durante a noite (entre o anoitecer e o amanhecer), característica que transmitiram aos cães e que os tem vindo a creditar, desde a domesticação, como guardiões, vigilantes e patrulheiros, já que ao lusco-fusco vêem melhor e os seus sentidos são ainda mais abrangentes durante a noite, o que justifica de sobremaneira a instrução nocturna canina, normalmente usada para o seu “despertar”, avivamento e capacitação.
O atraso na saída matinal dos cães, geralmente associado à irregularidade dos seus horários, tem sido responsável por um conjunto de fenómenos psíquicos, cognitivos e físicos que a muitos tem afectado, obrigando alguns animais a terapias cognitivas, comportamentais e sociais, mercê da ansiedade que neles reina e que lhes foi transmitida pela ausência de regra dos donos, indivíduos que a estabeleceram segundo a sua conveniência, a partir de um regime excepcional e contra o seu bem-estar canino. O ideal para os cães, aquilo que eles mais desejam e os faz sentir bem, é sair um pouco antes do romper da aurora e não debaixo de calor, entre algazarra ou perante demasiada azáfama. Quando um cão sujeito a este regime encontra alguém que o leve à rua mais cedo, no período de alguns dias, bem depressa irá acordar os seus donos a essa mesma hora, fenómeno estranho para eles mas que acontece vezes sem conta.
Enquanto os donos dormem, com o dia a avançar, a querer vencer o atraso e com a ansiedade à perna, qualquer cão poderá vir a desenvolver todo um conjunto de taras, que poderão ir desde ladrar incessante até à auto-mutilação, pelo correr atrás da cauda até a comportamentos sexuais anómalos, manifestações que levarão muitos proprietários caninos a treiná-los, como se a culpa fosse deles e a disciplina a mais excelente das panaceias.
Tarde e a más horas vai o cão à rua com os donos ainda estremunhados e como vai aflito para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, porque puxa, é mais cómodo e também por descargo de consciência, acabam por se valer duma trela extensível, acessório dispensável caso fossem mais zelosos. Graças à ansiedade, esse hábito e essa prática irão rebentar com a condução alinhada, condenarão o animal à irritabilidade e promoverão a sua desatenção, desconcentração, desobediência e o ensurdecimento para as ordens, podendo ainda torná-lo ciumento, agressivo e anti-social, enquanto sintomas de revolta e sinais de insatisfação. Os malandrecos que encerram os seus cães em boxes por períodos superiores a 8 horas fazem-no consciente e deliberadamente para atingirem os seus objectivos, certos que os cães sairão dali mais agressivos!
Para além dos aspectos psicológicos e cognitivos, a ansiedade “mexe” ainda com os impulsos herdados caninos, nomeadamente com os relativos ao alimento e ao movimento, o que influirá directamente no seu apetite e morfologia, podendo desregular o primeiro e condicionar a segunda, por obstrução a uma vida saudável. Debaixo de ansiedade, os cães ou comem demais e tornam-se obesos ou deixam de comer, factores que influirão na sua qualidade de vida e longevidade assim como no seu desenvolvimento físico e respectivas performances. As implicações provocadas pela ansiedade podem ainda provocar problemas gastrointestinais mais ou menos graves, taquicardias dispensáveis e alterações na frequência respiratória, para além de um vasto conjunto de doenças neurológicas ou psiquiátricas (ninguém melhor que o seu veterinário o saberá esclarecer acerca disso).
Mal comparado, porque não nos apaixonamos pelo antropomorfismo, o cão que tarda em ir à rua é como um bebé que permanece de fralda molhada, horas infindas a chorar, enquanto os seus pais viram a cabeça para o outro lado, indiferentes ao seu desconforto e mais interessados em dormir, ainda que depois lhe ponham a pomada para as irritações cutâneas. Para que o treino canino surta efeito é necessário que os donos respeitem os cães, a sua identidade e necessidades biológicas, para que se torne para eles menos artificial e de fácil absorção. Existe uma relação óptima entre tratamento e treino e sabemos que o stress obsta à capacidade de aprendizagem. Levante-se da cama e liberte o seu cão da ansiedade, satisfaça as suas necessidades e verá que ele só terá olhos para si! 

ANARQUIA EM CASA, DISPARATE NA ESCOLA

À imitação dos “cowdogs” da quinta, assim são também os cães remetidos para os quintais, onde passam a maior parte dos dias sozinhos e que aguardam impacientes a chegada dos donos, por norma à porta da cozinha ou no tapete da entrada, dispensados de sair, privados da excursão, arredados da sociabilização e autorizados a urinar e defecar por ali. E como um mal nunca vem só, a um cão irá juntar-se outro naquele redil, na esperança que façam companhia um ao outro e se sintam mais felizes. Por norma o primeiro cão é pequeno e sem raça ou então um igual ao segundo mas sem préstimo, o que infelizmente irá sujeitar o mais novo ao domínio do mais antigo naquele local, dotando-o das incapacidades e temores que carrega.
Acostumado à submissão, o cachorro chegará à escola com medo de tudo e todos, submetendo-se aos seus colegas de classe sem esboçar qualquer defesa. A disparidade entre o tempo que passa no quintal e em que está acompanhado é a mesma entre o tempo em que se encontra solto e é convidado para trabalhar, de 10 para 1. Se porventura não é o seu condutor que o alimenta, a situação agrava-se por ausência de laços afectivos e consequente estranheza da liderança, não sendo de estranhar que o animal resista á condução atrelada e se desencante pelo treino. O panorama complica-se ainda mais se não houver a recapitulação doméstica dos exercícios escolares. Apesar de há muito se saber que o dono do cão é o patrão da comida e que os conteúdos escolares necessitam de recapitulação em casa, até porque o animal não se destina à escola, todos os anos levamos com casos destes! Urge mudar de atitude, elucidar mais uma vez e alertar os condutores caninos para as suas responsabilidades.

domingo, 27 de julho de 2014

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 25/06/2011.
2º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIFERENTES LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013.
3º _ NON JE NE REGRETTE RIEN!, editado em 09/05/2014.
4º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO NEGRO, editado em 05/06/2010.
5º _ A CASOTA DO CÃO, editado em 29/12/2009.

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país deu o seguinte resultado:
1º Portugal, 2ºBrasil, 3º Estados Unidos, 4º Suíça, 5º Alemanha, 6º China, 7ºAngola, 8º Ucrânia, 9º Bolívia e 10º Indonésia.

sábado, 19 de julho de 2014

CARTA PARA O MEU AMIGO LUDOVICO

Amigo Ludovico (que Deus cá tem e que se deseja sempre com os pés assentes na terra, porque amigos há poucos e companheiros de jornada muito menos)
Quando insisti consigo para andar com a sua cachorra à trela, nunca tive como propósito sobrecarregar o animal ou sacrificá-lo a si, porque a coisa que mais adoraria seria que os cães não necessitassem de treino, fossem todos fortes, perfeitos e não precisassem de ajuda, o que de certa maneira os colocaria nas mãos de pessoas excelentes que não os prejudicariam, o que se sabe também ser falso. Pensando bem, o que tornou o lobo em cão foi o uso da trela e como nem todos os silvestres estiveram pelos ajustes, a selecção operada pelos homens recaiu sobre os mais moldáveis, resultando daí algumas impropriedades e a perca de certas características, que à partida lhe interessaria preservar nos lobos domesticados. O uso da trela, mais profícuo na fase plástica dos cães e anterior à sua maturidade sexual, tende a colmar e a resolver problemas atávicos ou individuais de origem mecânica, social ou psicológica, que uma vez enraizados, virão a ser perpetuados. Aproveitando o sentimento gregário canino, mediante a trela, podemos constatar mais de perto e de modo objectivo, tanto as qualidades quanto as impropriedades do animal que nos coube em mãos, até porque não temos a possibilidade de o mandar mais um ano para o campo e esperar que a natureza actue.
Assim, cabe a cada um de nós, os que amamos e não dispensamos a companhia dos cães, ajudá-los a levar de vencida os seus entraves, para que de alguma forma se bastem a si próprios, tenham vida em abundância e sejam capazes de resolver os desafios que terão pela frente, muitos deles artificiais e só ultrapassáveis pelo reforço, cumplicidade e empenho humanos, parte de um todo a que chamamos amor. Quando publiquei os artigos "MARCHA SIM, PASSO DE ANDADURA NÃO!", "MEDOS E OS ABUSOS NA CONDUÇÃO À TRELA" e "AS FUGAS DO JUNTO EM LIBERDADE", tive como propósito alertar para a importância da condução à trela, enquanto excelente subsídio para o melhor conhecimento e integração dos cães. Mal por mal, já nos bastam os filhos de hoje, que mal vêem os pais durante os dias úteis e que ao fim de semana são recambiados para actividades extra curriculares, isto se não marcharem, semana sim; semana não, prá casa de cada um dos seus progenitores! Um cão constrói-se na trela para vir a ser solto sem problemas, anda connosco lado a lado para conhecer os perigos que o cercam, aprender os seus limites e se possível, complementar o nosso trabalho. Circulamos com ele assim para melhor comunicarmos, melhor o conhecermos e lhe podermos valer, condições que o farão confiar em nós. Quanto a isto parece não restar qualquer dúvida. Cumprimentos ...

DO ASSIMILADO PARA O PRETENDIDO

Toda a gente sabe que a obediência tem uma condição exclusiva: o seu cumprimento pronto e imediato, que um cão não tem mais ou menos obediência, ou tem ou não tem, porque iremos necessitar dela para além das situações ideais, residindo aí a causa de tanto treinarmos. Mas até lá, como deveremos proceder perante a ineficácia das ordens e a inércia dos cães? Pelo suborno, pela coerção ou pela violência? Por princípios éticos e por razões ligadas à salvaguarda dos animais abominamos o suborno, pois queremos um cão impoluto e incorruptível. Dispensamos a coerção porque entendemos que a indução por pressão, a intimidação e a ameaça desgastam e vulnerabilizam os animais, o que não interessará a donos e cães, já que procuramos um cão equilibrado e queremos que confie em nós. Muito menos nos interessa a violência para o alcance de um ou mais objectivos, mesmo que o procurado seja atingido, porque rebentamos com o cão de uma vez por todas, procedimento criminoso que pode ainda ter como consequência a sua desvalia, o que normalmente acontece por perca de confiança, insegurança e medo do castigo, prática infelizmente recorrente até no aconchego do lar (toda a vida ouvi dizer que se um cão urinasse ou defecasse em casa, a melhor maneira de o ensinar a ser limpo seria a de lhe esfregar o focinho na trampa ou dar-lhe com um jornal na cabeça).
A solução resultará uso dos comandos que o cão já assimilou e que imediatamente antecedem ou precedem aquele a que teimosamente resiste, despoletando nele a sua memória mecânica sem contudo prejudicar a afectiva. É sabido que a repetição das ordens não contribui para a celeridade das acções caninas, antes as atrasa e tende a invalidar os comandos proferidos. Para melhor se compreender o que acabámos de dizer, vamos a um exemplo concreto. Determinado cão, deixado previamente debaixo do comando de “quieto”, distante do dono e imobilizado na posição de “deita”, não responde ao comando de “aqui”, apesar do seu líder repetir amiúde esse comando. Como deverá proceder o proprietário canino, já que o cão se ensurdeceu, permanece imóvel e não responde a qualquer estímulo? Ao invés de gritar o comando, que transformaria o desinteresse em medo, o dono deverá dar-lhe a voz de “de pé” ou a de “senta” se cão souber fazer e estiver mecanizado no tri-comando básico de modo ascendente (deita, senta e alto).
O que é válido para os comandos ou figuras de imobilização é-o também para os comandos direccionais (troca, roda, à frente, atrás, para trás, abaixo, up, etc.), porque também eles obedecem a uma sequência operacional previamente alcançada e memorizada pelo animal, de acordo com a natureza dos percursos e a sua solução. Imagine-se um cão que demora a recuar à medida que se vai afastando da presença do dono, desrespeitando a cadência ordenada. O procedimento correcto será chamá-lo através do “aqui” e ordenar-lhe outra vez o comando de “para trás”, repetindo o mesmo procedimento até ao alcance do resultado esperado. Há quem chame a isto “contra-procedimento”, apesar deste ser o procedimento correcto, já que é uma medida contra a desobediência canina nos processos de aprendizagem. Espera-se na cinotecnia o domínio do inteligente sobre o irracional, já que a lei do mais forte é típica dos animais que não alcançam os recursos lógico-racionais e desconhecem que a comunicação pode ser usada como estratégia. 

AVCS E UMA AMIGA CHAMADA MEL

O Sr. Manuel Neves já sofreu 4 AVCS (acidentes vasculares cerebrais) e hoje encontra-se parcialmente paralisado do lado esquerdo, com dificuldades locomotoras e de equilíbrio, contratempos mais do que suficientes para um homem de 66 anos de idade, ainda a braços com a hipertensão. Não obstante, continua a ir à fisioterapia, não falta a nenhuma das suas sessões e mantém viva a esperança de vir a melhorar. Sensibilizados pelo seu espírito lutador, todos os dias lhe emprestamos a Mel para que ande mais um pouco, uma Labradora chocolate, ainda jovem, de condução suave, concentrada, cúmplice e amiga, propriedade do Diogo Malta que a treina e cede prazeirosamente. Com vontade indómita e ajudado pela amiga “Mel”, ainda que em passo curto, o Sr. Manuel lá vai fazendo sessões de 180m de caminhada, para espanto de quem os vê e alegria de quem acredita nele. Queremos daqui agradecer a deferência do Diogo e sentimo-nos gratos por termos a “Mel” nas nossas fileiras, uma cadela de terapia que traz alegria a miúdos  e graúdos.

AQUI A MÚSICA É OUTRA!

A Raquel e o Óscar, donos da “Gaia”, uma cachorra pastora alemã de seis meses de idade, são um casal de músicos profissionais que para além das pautas não dispensa a companhia de um cão. Recentemente integrados nas nossas fileiras, têm primado pela camaradagem e no afinco ao trabalho, sendo naturalmente bem dispostos e prontos para ajudar, ainda que a maior fatia do esforço tenha cabido à Raquel, já que lhe coube ensinar a cachorra. Acostumada a soltar emoções no violoncelo e a interiorizar melodias, pela novidade do adestramento, ainda que o solfejo tenha vindo em sua ajuda, vê-se agora obrigada a outras posturas e formas de linguagem para melhor comunicar com a sua companheira, adaptação que lhe exige dedicação, tempo, treino e paciência. A cachorra é valente, traquinas e muito viva, sendo a curiosidade a melhor das suas virtudes. Apesar da música aqui ser outra, estamos certos que a instrumentista não perderá o ritmo e a “Gaia” bem depressa entrará em harmonia.

CHAMA-SE SIÃO!

Não é todos os dias que se vê um cão de raça alemã com um nome hebraico e cada vez menos se vêem pastores alemães de pelo comprido. Pese embora a raridade, nós temos um: o Sião, um exemplar preto-afogueado, jovem, grande e muito fácil de ensinar, daqueles que, sem grande esforço da nossa parte, aprendem tudo rapidamente. Vemo-lo na foto acima com a sua dona e adestradora, pessoa que muito o estima e que melhor o cuida, num dos momentos de supercompensação. Como o peso das primaveras da sua dona não lhe permitem performances atléticas excelentes e é atribulada por vários achaques, o Sião faz meia aula com o adestrador e outro tanto com a dona, auxílio que terminará no dia em que a senhora vier a dispensar qualquer tipo de ajuda. Entregue aos cuidados e supervisão da Joana Moura, o binómio já consegue evoluir conjuntamente com os seus colegas de classe, sendo o seu fila-guia por breves trechos. Estamos certos que o Sião evoluirá para além do esperado e que virá a ser um “Às”, assim a sua dona o queira!

DESCUBRA AS DIFERENÇAS

Ao olharmos esta fotografia onde estão a Margarida e o Marti, considerando o olhar, a expressão e a postura de ambos, apraz-nos perguntar: onde estão as diferenças? É curioso constatar que os cães, por força da coabitação, observação e exemplo, acabam por reproduzir expressões e atitudes muito idênticas às dos seus donos. Para o bem e para o mal, tanto nos acertos como nos desacertos, um cão sempre será reflexo do dono que tem, enquanto líder e exemplo a seguir. Se outra coisa não houvéssemos ensinado à Margarida, esta temos enfatizado deveras, porque os cães não aprendem sozinhos, necessitam de acompanhamento, carecem de apoio diário, alcançam a cumplicidade pela relação tratamento-treino e serão tanto ou mais audazes quanto os seus donos o forem. Dito desta maneira, parece demasiado encargo para a Margarida, uma jovem a entrar no mundo dos adultos, onde terá de valer por si mesma e encontrar o seu lugar ao sol. Diante do que a aguarda e desejando desde já que seja bem sucedida, o treino do Marti acaba por se constituir num dos melhores subsídios para a sua ascensão. Mãos ao trabalho! 

O ESTRANHO CASO DO LEITOR DE JERSEY

Pela primeira vez tivemos um leitor de Jersey e imediatamente julgámo-lo norte-americano por causa do conhecido Estado de New Jersey, engano que depressa desfizemos, apesar do nome desse Estado estar ligado à Jersey de que iremos falar, o que nem toda a gente sabe, mormente muitos europeus (portugueses inclusive). A ilha de Jersey encontra-se situada no Canal Inglês (Canal da Mancha) e junto com Gernsey, a Ilha de Man e outros ilhéus formam as Ilhas do Canal. Jersey é uma dependência do governo britânico que não faz parte do Reino Unido e da CEE. Tratada pelos portugueses como Jérsia, situa-se mais perto da França (Normandia) do que da Inglaterra e ocupa uma área de 116km2. Possui duas línguas oficiais, o Inglês e o Francês, conservando ainda o normando daquela região, designado por Jèrriais ou Jersês, língua nativa pouco utilizada oficialmente. Administrativamente a ilha encontra-se dividida em 12 distritos eleitorais (freguesias), cujos nomes advêm dos padroeiros das antigas paróquias. Apenas metade dos seus habitantes é natural da Ilha, 31% veio de diversos lugares das Ilhas Britânicas, 7% é oriundo de Portugal e da Ilha da Madeira, 8% de outros países europeus e os restantes 4% são preenchidos por gente oriunda de outras paragens. Jersey foi ocupada pelas tropas nazis entre 01de Julho de1940 e 09 de Maio de 1945, sendo o único território do Império Britânico ocupado pelos alemães. Essa ocupação viria mais tarde a ser retratada numa série televisiva inglesa.
Situada na Baía do Mont St. Michel, tendo como capital St. Helier, ela tem algumas das maiores marés do mundo, podendo aumentar a sua área até mais um terço e as suas praias foram consideradas mais limpas do que as da Grã-bretanha. Com um litoral com 48km de extensão e com temperaturas mais amenas do que as verificada nas Ilhas Britânicas, Jersey oferece ainda um passeio subaquático ao longo da sua costa e a possibilidade dos turistas poderem alugar um forte napoleónico ou um bunker da II Guerra Mundial. Também os paleontólogos encontrão lá motivos de interesse, uma vez que ali foram encontradas várias ossadas de Malamutes. Apesar da ilha ter as suas própria moeda, a libra esterlina é também aceite como moeda oficial.
Os nativos de Jersey têm o comportamento típico dos insulares e como tal, são prontos na caracterização e denominação dos que lá aportam para trabalhar, apesar de não gostarem que os outros lhe façam o mesmo, sendo normalmente alcunhados de “Jersey beans”, muito por causa dum prato tradicional da ilha: o feijão crock, designação que lhes desagrada e quebra a fleuma, já que a entendem pejorativa. Para além do tecido Jersey, esta ilha criou e seleccionou uma raça bovina a quem deu o seu nome, que rapidamente se espalhou pelo mundo como excelente leiteira, sendo a segunda raça que mais leite produz entre os bovinos.
Agora que já sabemos um pouco mais sobre Jersey, resta-nos saber qual a etnia do nosso leitor ali residente, se é Jersey bean, de origem inglesa, francesa, portuguesa ou outra, não nos custando acreditar que seja luso, luso descendente ou brasileiro. Vale a pena visitar a ilha britânica mais meridional, especialmente para os apaixonados de desportos náuticos, para os que praticam caiaque, se deleitam a velejar, não dispensam o surf e preferem o mergulho. O maior evento de Jersey é a Batalha Anual das Flores, que se realiza desde 1902 e que acontece na segunda quinta-feira do mês de Agosto (este ano será no dia 14 desse mês), um desfile carnavalesco de carros alegóricos decorados com flores, que municia os participantes para a “batalha” com 5 milhões de flores diferentes e que culmina ao luar.
A British Airways tem voos directos de Lisboa e do Funchal para Jersey, os preços são convidativos e o aeroporto da ilha dista apenas 7km do centro da Capital (St. Helier), sendo bem servido de transportes públicos. Se for de carro ou pretender passar por França primeiro, então terá que apanhar o ferrie em St. Malo; se estiver em Inglaterra e quiser ir por mar, terá que deslocar-se até ao porto de Southampton e valer-se também dos ferries, geralmente catamarans, que propiciam uma viagem rápida e agradável.
Se pretender ir para lá e levar o seu cão consigo, então terá que observar as seguintes condições: o animal terá que ter microchip, ter a vacina anti-rábica em dia, ter sido vacinado depois da inserção desse identificador, possuir um passaporte da UE para animais de estimação, emitido pelo seu veterinário a certificar o microchip e a vacinação, ter sido desparasitado contra a ténia (echinococcus multiocularis) até 5 dias antes e ser transportado por uma empresa transportadora aprovada, o que não implicará na separação dos donos.
Muito mais haveria para dizer sobre Jersey, os seus habitantes, belezas naturais e atracções, enquanto reduto insular anglo-normando, excursão cultural e destino paradisíaco. Resta dizer que a maioria dos portugueses que lá vivem trabalham na hotelaria ou na restauração, ao contrário doutros no passado que iam para as “farms”. Se por acaso lá for, é possível que vá a um hotel ou restaurante e seja atendido por um português. E se assim não acontecer, à cautela, escolha outro prato e não peça feijões de Jersey, não vá o caldo ficar entornado! Brincadeiras à parte, as gentes da ilha são reconhecidamente afáveis e simpáticas, que ao invés de tratarem a rainha de Inglaterra por “The Queen”, a tratam por “Our Duke” numa alusão ao seu passado histórico. 

ENSINAR CÃES POR TERRAS DO FADO

Conhecemos um realizador de cinema que aqui sobrevive pela feitura de telenovelas, um homem visionário que veio de operador de câmara, temido pelas equipas técnicas, respeitado no meio e que se faz pagar. Por norma é chamado para começar e lançar todos os trabalhos e depois acaba substituído por outro mais barato, mais moldável, próprio para o “trabalho a metro” e mais ao gosto das depauperadas produtoras. Nas suas andanças pelo mundo trabalhou com gente de toda a parte, descobrindo que ninguém é melhor do que os outros e que todos têm virtudes e defeitos, uma identidade que reflecte o peso cultural de cada lugar. Lembrámo-nos dele porque identificava como ninguém as grandezas e misérias presentes nos portugueses com quem trabalhava, em tudo iguais às visíveis nos donos de cães que intentam treiná-los. Há mais de 10 anos que lhe perdemos o rasto, mas estamos-lhe gratos pelo muito que nos ensinou em tão pouco tempo, porque apresar de apaixonado pelo mundo da ficção, acabou por nos ajudar a melhor compreender as pessoas à nossa volta. Já tratámos deste assunto e vamos tratá-lo outra vez, já que os portugueses não param de nos surpreender.
Mais do que património da humanidade, ainda que muitos o neguem, mais por presunção e vã resistência do que por ausência de identificação, o Fado é uma constante na vida dos portugueses de Norte a Sul, que acaba por exteriorizar aquilo que pensam, sentem e não confessam, sentimentos como tristeza, saudade, amor, traição e esperança, que longe de afectarem somente os lusos mais antigos, acabam por influir directamente no modo de vida dos portugueses mais recentes, estabelecendo entre ambos uma ponte cultural que remonta a tempos vetustos. Só se sendo cego e surdo, deliberadamente ou por ignorância, é que não se consegue ver e ouvir a presença do fado noutros géneros musicais portugueses, raiz também presente no “Rock Português” e nos temas dos mais afamados cançonetistas de origem popular, trivial, zombeteira ou erudita deste século e do anterior. Onde fomos buscar este apego ao destino e à predestinação ninguém sabe, apesar de não nos faltarem razões históricas e laços culturais. Será que sempre fomos assim, herdámos isso de alguém ou fomos reforçados naquilo que sempre fomos? É possível que as hipóteses do presente sejam falhas e que futuramente alguém descubra qual a verdadeira razão, provavelmente associada ao melhor conhecimento do nosso ADN mitocondrial (já houve quem transitasse do Fado para o Jazz e se “sentisse em casa”). 
Fatalmente há sempre um modo português de fazer as coisas, presente em todas as actividades e com as mesmas características, algo quase a ser conseguido e que acaba fatidicamente improvisado, incompleto ou por retornar ao ponto de partida, quando tudo parecia ir de vento em popa, um revés tantas vezes justificado pelo incontornável destino que amiúde se repete ou como disse uma alma simples: “tudo o que detesto cai-me em mãos!”, o que de certa maneira justifica o nosso atraso relativo a alguns dos nossos parceiros europeus, mais coesos, pragmáticos e menos metafísicos, gente que olha por si, faz o futuro e não espera o “Quinto Império”, menos dada a fezadas e à procura de milagres. Como produto da prata da casa, a cinotecnia nacional enferma das mesmas desventuras e mal-aventuranças, porque a procura de novidades, forçada pela sobrevivência, tem levado muitos a uma macedónia de métodos que melhor serve a confusão e que tão depressa aparece como desaparece, erigindo uns tantos “gurus” sustentados pela ignorância, que com propriedade poderiam ser tratados como “encantadores de cães”, ainda que o sejam mais dos seus donos ou…donas, o que vem impedindo a formação de uma verdadeira escola nacional, com cariz próprio e com alguma erudição, tendência que nos tem afastado dos lugares cimeiros da cinotecnia europeia e global, onde nunca estivemos e poderíamos estar, apesar de termos sido os primeiros a usar intencionalmente matilhas heterogéneas na caça ao javali e ao veado.
A desunião e a falta de continuidade, quando associadas à maledicência e à “política do deita abaixo”, segundo a célebre máxima de “cada cabeça sua sentença”, características que diferem e aproximam alguns portugueses doutros povos, que contribuem para a desconfiança mútua e para o roer dos calcanhares alheios, ao chegarem à cinotecnia, acabam por dificultar a disciplina, a boa ordem dos trabalhos e o seu progresso, usurpando os seus lugares a balda, a galhofa e a ausência de objectivos, o que irá dificultar de sobremaneira o processo pedagógico canino e consequentemente o rendimento dos cães, ainda que os seus condutores se contentem com pouco e aceitem o logro como parte integrante da sua sorte, o que na hora da atribuição das culpas não poupará os animais, a despeito da sua qualidade, proveniência e desamparo.
A relação entre o adestrador e os adestrantes (condutores dos cães), merece ser avaliada pelos 5 vectores que tipificam o condutor canino português, são eles: a sua compreensão da autoridade, o seu tipo de responsabilidade, o entendimento que tem do trabalho, a natureza dos seus objectivos e o seu inevitável desfecho. Ainda que tema o castigo no seu sentido mais lato, o português comum não gosta da autoridade e têm-lhe uma natural aversão, porque é desconfiado (teme que lhe “passem a perna”), não a compreende como garante da ordem, tenta usurpá-la e detesta ser confrontado. Não a conseguindo evitar e culpabilizar outrem, quando em contravenção, tudo fará para se libertar do seu peso, para a banalizar ou destituir, podendo valer-se do suborno para suavizar as suas penas. Tido como de brandos costumes, é ele é um pseudo-resistente passivo que aguarda oportunidade, que guarda para si o que pensa e que acaba por surpreender. Nas escolas caninas melindra-se diante das correcções e justifica os seus desacertos como ninguém, atribuindo-os a toda a sorte de infortúnios, que vão desde o mal-estar passageiro até à influência nefasta dos outros cães. Por tudo isto, exigir-lhe responsabilidades no adestramento é o cabo dos trabalhos, porque diz-se a fazer o melhor que sabe e que “quem dá o que tem, a mais não é obrigado!” (frase comum para nos mandar bugiar e sacudir a água do capote). E quando nada diz… dificilmente o voltaremos a ver!
Mais do que a pensar na salvaguarda dos cães, a maioria dos condutores lusos vem para o treino para evitar maiores embaraços ou por descargo de consciência, por curiosidade, ser socialmente bem aceite e também por algum espírito aventureiro, o que não irá facilitar a sua adequação ao mundo do adestramento e a absorção dos seus procedimentos e rotinas, que os irão obrigar a mudanças graduais (mais psíquicas e cognitivas do que físicas) para a compreensão e alcance do condicionamento. Resistentes às mudanças, naturalmente avessos à pontualidade, carentes de encorajamento constante e dados a emoções extremadas, se não desistirem antes, tardarão em ver os frutos do seu trabalho. Mas é na indisciplina que reside a sua maior fragilidade, porque interrompem desnecessariamente os seus mestres e começam a falar antes de ouvirem as suas explicações, o que lhes dissiparia as dúvidas e que justifica a urgente necessidade de aprenderem a ouvir.
Por tudo isto, quem lhes ministra aulas é obrigado a enfatizar a recapitulação, até porque muitos tendo dúvidas, não as colocam e até são capazes de dizer que as não têm (talvez pelo medo da exposição), o que irá obrigar a um relacionamento mais empático, em separado e fora de horas (se for do seu interesse e o consentirem), procedimento também justificado perante aqueles que, tendo dificuldades de apreensão, tardam em encontrar a solução para os seus erros mais comuns, antes que se digam vitimados pelo disparate e fadados prá desgraça. Pouco chegado ao rigor, o condutor canino português, salvo raras e honrosas excepções, procura o facilitismo e despreza o trabalho oficinal, espera pela inspiração e abomina o suor, particularidades que o afastam das metas, sonegam-lhe os objectivos e cujo desfecho não deixará de ser fatídico – o desaproveitamento escolar, que sucede em grande número e um pouco por toda a parte. Dominado pelo improviso e entregue aos seus próprios juízos, também porque “a tropa manda desenrascar”, ao invés de procurar condições para ir adiante, acaba por se afundar nas que sempre teve e das quais nunca saiu, apesar do mundo ser feito de mudança – que triste fado!
Perante uma “tropa” destas, exige-se um adestrador o menos português possível (um estrangeiro seria melhor), alguém vindo de fora, o que de imediato lhe abonaria as credenciais, que seja bem disposto, resoluto, inquebrantável, paciente, erudito e teimoso quanto baste. Ironias à parte, abordámos este tema para ajudar aqueles que agora começam a adestrar homens e cães, para que saibam ao que vão e aquilo que os espera, para que melhor se preparem e alcancem maior sucesso, facilitando-lhes a azáfama pelo diagnóstico que aqui fizemos. 

sexta-feira, 18 de julho de 2014

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim escalonado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011.
2º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO PRETO, editado em 05/06/2010.
3º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIFERENTES LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013.
4º _ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 29/08/2013.
5º _ PASTOR DE SHILOH: SUPER-CÃO OU DECEPÇÃO, editado em 23/01/2014

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º China, 6º México, 7º Ucrânia, 8º Rússia, 9º Suíça e 10º Espanha. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

VALENTIA E ESQUECIMENTO

Ontem reparámos num Mastim Napolitano que connosco se cruzou e lembrámo-nos imediatamente doutro que treinámos, provavelmente o único ao longo de décadas, um valente de quem esquecemos o nome e cujo dono não nos vem à memória, porque o incêndio que lavrou na Tapada de Mafra em 2003 ceifou parte dos nossos arquivos e o binómio permaneceu por pouco tempo nas nossas fileiras, mercê da morte prematura do animal no desempenho do seu serviço. Apesar disso, lembramo-nos muito bem dele, mais atleta que os seus irmãos de raça, menos enrugado do que eles e portador de fortes impulsos à luta e ao poder, um mastim cinzento razoavelmente bem aprumado que assustava até os mais audaciosos quando por eles passava (homens e cães), porque desfilava em porte majestoso, aceitava qualquer desafio e não temia os obstáculos. Como contrição ao nosso esquecimento, vamos agora contar a sua trágica história.
Verdade, verdadinha, nunca o estimulámos para atacar, nem tão pouco o capacitámos para qualquer tipo de defesa, porque o dono tinha sérias dificuldades em segurá-lo e acabava por andar atrás dele a reboque (o cão pesava mais de 80kgs). Apostados em reforçar a liderança, estendemos somente ao binómio os currículos de obediência e ginástica, certos que se lhe estendêssemos também o de guarda, jamais o dono seria capaz de operar a cessação pronta dos seus ataques, opção que homem aceitou de bom grado, por não ser esse também o seu objectivo. Na obediência linear o cão depressa aprendeu a andar em “junto” sem puxar, apresentando apenas problemas na dinâmica, quando na prática dos obstáculos, nomeadamente na saída, intentava caçar os cães que iam na sua frente. Vencidas essas dificuldades, quando tudo parecia correr bem, dono e cão desapareceram sem deixar rasto.
Alguns meses depois, quantos não sabemos precisar, viemos a saber a causa do seu desaparecimento repentino e inesperado. Dois assaltantes tinham invadido a casa do dono, com ele ausente e o cão lá dentro, no intuito de lançar mão ao que mais lhes interessava. Como o cão não se agradou da visita e muito menos dos visitantes, resistiu como pôde àquela invasão. Passadas algumas horas, no final do dia, o dono regressou a casa e nem queria acreditar no que via. Num canto da cozinha gemia um homem ensanguentado sem se pôr de pé, a porta das traseiras estava aberta e a casa toda revirada. Imediatamente, como por pressentimento, procurou pelo cão e foi dar com ele morto na sala, tombado sobre a carpete, com vários golpes na cabeça, rodeado por uma posta de sangue e com um “arranca pregos”(pé-de-cabra) enfiado pela boca abaixo. Os ladrões não conseguiram levar nada e um acabou por denunciar o outro.
Se por acaso o dono deste valente cão, nosso ex-aluno no virar do século, ler ou tomar conhecimento deste artigo, agradecíamos que nos contactasse, não para nos dar mais pormenores, porque os que temos já nos bastam, mas para nos dizer qual o nome do animal que tão heroicamente defendeu os seus bens, já que merece ser conhecido e relembrado. Oxalá assim suceda!