terça-feira, 15 de maio de 2018

ENQUANTO OS CÃES DEFINHAM, UMA DANÇA E A OUTRA ARRASTA-SE

No pequeno mundo que se estende para além da minha porta, conheço duas mulheres que têm muito em comum, apesar de serem bem diferentes uma da outra. A mais velha aparenta ser mais nova e vice-versa. A primeira, com setenta e picos, adora dançar e a mais nova, com sessenta primaveras, arrasta-se pela calçada de tão gorda que está (há quem diga que rebola). Ambas só estão bem fora de casa e criam raízes numa esplanada, a última que provavelmente verão até à chamada do padre eterno.
Soltas pela viuvez, nenhuma delas tem agora companheiro, ainda que a septuagenária, quando a ocasião se propicia e o Facebook dá uma ajuda, se deixe levar por tórridos romances. A de sessenta é mais de dar à língua, alvora-se em intelectual, é desprezada pela única filha que tem e mantém uma paixão oculta de que toda a gente se apercebe. A mais velha trabalhou toda a vida e vive de uma magra reforma e a outra que pouco trabalhou, recebe a pensão do marido, finado por quem não morria de amores.
Ambas frequentam a mesma esplanada mas em grupos diferentes, a mais velha, que é mais submissa, junta-se a outras do tipo sargento, a mais nova comporta-se como uma rainha, apesar de não ter cabeça para ser coroada de tão pequena que é. Gosta de estar rodeada por um séquito que mantém à sua disposição, tendo como primeiras serviçais uma velha marreca, coxa e aleivosa e a filha desta, uma gorda ainda em idade fértil, pouco apelativa, que abomina o trabalho, vive de estratagemas e que se faz acompanhar de uma muleta para ter a primazia nas caixas dos supermercados.
Tanto a submissa como a dominante esmeram-se na maquilhagem, a primeira para atrair e a segunda para estabelecer a diferença, apesar de ambas terem agora o cabelo pintado da mesma cor – vermelho. Para além de outras coisas em comum, as duas têm cães debaixo da mesma condição - desleixados. A dançarina tem um sobrevivente com 16 anos que não pára de ladrar, que nunca saiu do seu mísero quintal e que até tem medo de vir à rua, agora acompanhado por um de 4 que lhe seguirá as pisadas. A “rainha da esplanada” tem um arraçado de caniche enclausurado numa cozinha, onde ladra para o boneco, come, defeca, urina e dorme. Actualmente só é tratado duas vezes por semana, o que agrava ainda mais a sua situação, porque a sua “dona” encontra-se a convalescer de uma pequena cirurgia na casa das suas aias.
Quem as ouvir falar não as leva presas, parecem até pessoas muito sensíveis e agradáveis, daquelas que se preocupam com o bem-estar alheio e que se colocam à sua disposição, sendo capazes inclusive de fazer esporadicamente coisas extraordinárias. O que não se compreende é para que querem os cães, se não têm tem tempo para eles e pachorra para os passear, nem porque os sujeitam a tamanha violência, castigo e indiferença! Não farão eles parte das suas vidas? Estarão à espera que morram, desejar-lhes-ão a morte?
No caso da septuagenária, que é mais passional, os cães foram lá para casa porque os encontrou a vadiar pelas ruas, esqueléticos e sem ninguém se interessar por eles. A de sessenta levou o pequeno cão mais por status do que por outra coisa qualquer. Nenhum dos 3 cães é feliz e todos se encontram em profundo sofrimento. Tendo conhecimento do seu estado vivo num dilema: denuncio ou não o caso às autoridades, já que para fazer bem aos cães sou obrigado a fazer mal às donas? Penso que brevemente, ainda que com alguma relutância, irei denunciá-las, até porque não me tenho escusado a chamar-lhes à atenção - elas sabem o mal que estão a fazer!   

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